O ministro da Economia, Paulo Guedes, volta e meia se arrisca a uma análise política, e quando o faz costuma tecer conceitos elásticos sobre o conjunto ideológico. Ontem, ele disse que “a mesma aliança de centro-direita que ganhou as eleições em 2018 continuou ampliando seu espectro de votos” nas eleições municipais. Quase a mesma análise do pastor Silas Malafaia, que também ontem esteve com o presidente para fazer um balanço do resultado, garantindo que quem perdeu a eleição foi PT e PSDB, Bolsonaro saiu vencedor.
Guedes considera que a “centro-direita” aumentou seu poder, colocando essa avaliação na conta do grupo de apoio ao governo Bolsonaro. O Centrão agradece, e vai cobrar mais espaço no governo, mas PSD já quer ocupar lugar próprio e DEM e MDB saíram do Centrão.
Na campanha de 2018, Guedes insistia em colocar no mesmo balaio PT e PSDB, atribuindo a eles mais de 20 anos de domínio da social-democracia no Brasil, todos governos de esquerda que estariam sendo substituídos por um governo de direita.
Guedes recuperou a imagem de esquerda do PSDB, causando indignação do PT, que passou os últimos anos tentando colocar os tucanos na direita política, tarefa que cabe hoje ao PSOL em São Paulo, ligando Bruno Covas a Bolsonaro, através do governador Dória.
Conforme as forças vão se colocando no tabuleiro político, a definição ideológica obedece mais aos interesses eleitorais do que a análises com bases acadêmicas. Assim como é risível a tentativa de pregar em Fernando Henrique Cardoso ou em José Serra a peja de direitistas, também é um exagero de retórica política dizer que o ex-ministro Sérgio Moro é de extrema-direita pelo simples fato de que aceitou participar do governo Bolsonaro.
No momento, para a esquerda, todos os candidatos opositores são de direita, não se admitindo nem mesmo que haja políticos de centro. No entanto, é o centro político que, no momento, tem mais capacidade de se impor nas composições partidárias que devem frutificar ainda no primeiro semestre de 2021, quando as forças eleitorais terão que começar a se definir. Até mesmo o ex-ministro Ciro Gomes, um quadro da esquerda brasileira, se coloca como de centro-esquerda, e foi nesse papel que tentou chegar ao segundo turno em 2018.
Essa divisão ideológica num país que sempre foi conservador abre a chance de uma série de enganos, e é aí que entra a teoria da Janela de Overton, criada por Joseph P. Overton, um ex-vice presidente do Mackinac Center for Public Policy, um centro de estudos liberal nos Estados Unidos. Overton imaginou uma “janela” onde as teses aceitas pela sociedade naquele momento determinado podem ser defendidas pelos políticos.
Seriam teses “aceitáveis” ou “populares”. Se ideias “impensáveis” ou “radicais” forem defendidas, elas saem da “janela” e o político não ganha votos. Portanto, os políticos defendem as teses “populares”, e não o que realmente pensam. Mas idéias antes “impensáveis” podem se tornar “aceitáveis” para a maioria. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o divórcio. Ou o casamento de homossexuais. Mas há também quem queira alargar a “janela”, criando situações que tornem idéias “radicais” em “aceitáveis”. É o que Boulos tenta fazer na campanha paulista.
Da mesma maneira, as definições ideológicas passam por essa “janela” e podem ser ou não aceitas. Os bolsonaristas consideram inaceitável que Ciro seja considerado de centro, mas muita gente também rejeita as definições de Bolsonaro como um “conservador” ou “liberal”, que o fizeram palatável para muitos eleitores de 2018.
A mudança que pretendem fazer com Bolsonaro, transformando-o em um membro do Centrão moderado, é uma tentativa, possivelmente a ser frustrada, de ampliar seu eleitorado para fora da extrema-direita, onde estão seus apoiadores radicais. Por isso também esses bolsonaristas “de raiz” preferem que o presidente vá para seu próprio partido, ou, pelo menos, para um partido menor do Centrão, onde poderia ter o controle.