Quando se quer depreciar o Brasil, costuma-se dizer que há coisas (ruins) que só acontecem aqui. Algumas nem aqui. Por exemplo, para se ter um Donald Trump completo, seria preciso misturar nossos políticos excêntricos de ontem e de hoje. Com o despudor, a desenvoltura e a cara de pau do candidato republicano, só juntando todos, com a vantagem de que nenhum ameaça chegar à Presidência (será que não?).
Vendo anteontem o debate dos dois principais pretendentes à Casa Branca, fiquei me perguntando como explicar a popularidade de um tipo capaz de atropelar os fatos, de desdizer o que disse, de mentir com tanta desfaçatez. E analistas afirmaram que ele estava mais contido, tentando se descolar da imagem polêmica que, afinal, o tornou famoso, a ponto de chegar ao confronto tecnicamente empatado com a adversária. Ou seja, não se apresentou como o candidato racista, xenófobo, sexista, homofóbico que vem demonstrando ser. Será que a democracia americana é tão democrática que prefere ser governada pelo pior?
Não é fácil justificar alguém que pretende se sentar na cadeira de estadistas como Franklin Delano Roosevelt já tendo feito afirmações como essas: “Se Hillary não consegue satisfazer seu marido, o que faz ela pensar que conseguiria satisfazer a América?”, “Se você não fica rico ao lidar com políticos, há algo de errado com você”, “Vamos construir um muro para evitar a entrada de imigrantes ilegais e drogas”. “Homens negros contando o meu dinheiro! Eu odeio isso”. “Só estou interessado na Líbia se nós ficarmos com o petróleo”. “Olhe para o rosto dela. Será que alguém vai votar nela? Você pode imaginar que esse será o rosto do nosso próximo presidente?”.
A psicanalista Elisabeth Roudinesco atribui o fenômeno Trump à ascensão no mundo de “uma contrarrevolução obscurantista”, um populismo com “desejo de fascismo”. Ele seria o modelo mais bem acabado desse pós-modernismo cínico em que a lei do mercado vigora em detrimento dos valores humanistas, dando lugar ao poder do dinheiro. Nada mais made in USA do que essa cultura. Numa sociedade em que o sucesso faz tanto sucesso, não deixa de fascinar a figura de um milionário dono de imponentes edifícios, mulheres bonitas e uma enorme audiência de TV e que sofre, segundo outro diagnóstico, de “transtorno de personalidade narcisista”. Assim, é possível que grande parte dos eleitores desenvolva a lógica simplista de que, se ele conseguiu tudo isso na vida pessoal, não importa os meios, vai conseguir o mesmo para o país.
A boa notícia é que uma pesquisa logo após o debate deu vitória a Hillary, com 62%, enquanto só 27% acharam Trump melhor. Mas será que essa tendência vai se repetir nas urnas?