Sabemos agora, no confronto entre Paes e Gabeira, que um usa botinas marrons de cano alto, e outro, mocassins pretos; um, camisa azul Royal, e outro, azul clara; paletó abotoado um, fechado outro, o terno príncipe de Gales contra o monotonamente preto. Não temos precedente nesses detalhes para a eternidade, do embate do Rio, nesses detalhes cruciais, em que a irrelevância chegou à melhor retórica do grotesco. Fiquem os engodos da percepção com que a contenda veio à mídia, numa repetição exausta, mas que aposta de toda forma nesta fome política para que acordou no país, e especialmente o Rio de Janeiro, no papel que o voto carioca terá nesse passo à frente para a nossa modernização.
A onda Gabeira nasceu dessa descoberta tardia, de que era possível impor uma vontade popular sem cabresto partidário, no voto cidadão e perturbador para o cantochão das maiorias de sempre. É esse sucesso que farpeou o interesse do segundo turno, quando a mais forte das candidaturas, nos jogos do poder manifesto, depara uma alternativa selvagem, vinda de uma rebeldia que saiu da Zona Sul, ganhou o Centro, impôs-se à Tijuca e ao Grajaú, e arranca à Oeste, nas trincheiras do clientelismo. Gabeira não perdeu tempo em criar o estilo da candidatura áspera, na contramão das expectativas de todas as alianças partidárias na promiscuidade das siglas e no aceno ao pedaço ganho do bolo de poder.
Não se refreou, sempre a bem da novidade cidadã, no condenar o analfabetismo político da vereadora Lucinha, dona do botim dos votos inertes da Zona Oeste. Mas sucumbiu ao pedido de desculpas subseqüentes a vereadora de todos os balaios eleitorais. Perdeu aí a chance de avançar mais, na candidatura diferente, perseverando na coragem da sua aposta?
Na opção que se garantiu para as melhores escolhas para a Prefeitura não faltaram, também do outro lado, os arrependimentos da realpolitik, em que o futuro de Paes deve pular a vala da sua biografia. A carta a d. Marisa, no pedido de perdão, buscou os caminhos do coração no Planalto, frente ao presidente arredio às invectivas passadas do candidato de Sergio Cabral. E a festa das mãos sobre as mãos, do retrato, afinal, a circular como o bentinho precário da consagração do segundo turno, traz o sorriso do sucesso diplomático do Governador, e do que será a vitória, nesse segundo turno, para trazer o Estado, enfim, a uma Vice-Presidência da República.
Nunca o eleitorado aprendeu tanto sobre a saúde e as suas UPAs, as campanhas de mobilização cidadã à la Bogotá, ou do que se fará com os preciosíssimos 700 milhões que o orçamento municipal terá para investimento em 2009. Sabem, Paes e Gabeira, terão que cortar 10% das despesas de custeio e abater 25% dos cargos de comissão. E qual dos candidatos terá força para cobrar a dívida do fundo Previ, que, sozinha, chega a 600 milhões, quase, pois, aos dinheiros orçamentários para dizer o Prefeito a que veio nesta eleição antológica?
De toda forma, já quase nos esquecemos do castigo de regressão política que nos imporia a vitória dos evangélicos, e do sobrinho do pastor Macedo. E ambos os candidatos remanescentes em propostas como a de um fundo nacional de habitação de interesse social, vai a fórmulas objetivas e rápidas para a fome de melhoria imediata, em que a impaciência dos pobres deu 17% dos votos a Marcelo Crivela.
Sem mais novidades, a catadupa, ainda, de debates surpreenderá, sim, pelo vestuário dos contendores. Nada sobra de novo no que digam, ou mais ainda, do que já sabemos. Um soma a outro, entre as patinetes para a polícia e o lixo transferido de Paciência para Seropédica. E antecipamos o novo asfalto na Dias da Cruz, logo provado pelas botinas de cano alto de Gabeira, ou pelos mocassins de Paes.
Jornal do Commercio (RJ) 17/10/2008