Anos após a morte de John Lennon, falou-se muito sobre algo que seria o "legado cultural de John Lennon". Achei a expressão esquisita, fiquei sem saber o que seria exatamente esse tipo de legado.
Revistas especializadas, tanto nos Estados Unidos como no Brasil, e provavelmente em outros países, referiam-se a Lennon como figura mais importante do que Jesus Cristo. Aliás, ele próprio tinha essa opinião sobre si mesmo.
Em 2011, um leilão da Omega Auctions, na Inglaterra, avaliou em US$ 16 mil um dente dele dado a uma empregada. Foi arrematado por US$ 31 mil. Daqui a 50 anos, esse tipo de legado valerá o que hoje vale uma cueca do Tiririca.
Deus é testemunha de que nada tenho contra a contracultura nem contra a cultura a favor. Acho que tudo tem sua hora e vez.
Um quadro de Van Gogh, mesmo suspeito de ser falso, foi vendido por US$ 82 milhões. Não tenho esse dinheiro em minhas modestas burras, mas, se o tivesse, não o daria pelo quadro que parece ter sido pintado pelo médico de Van Gogh e que está, se não me engano, no Japão. A cueca do Tiririca não chegaria a esse preço, mas, pelo menos, podia ser autêntica.
Tampouco daria R$ 5 por qualquer dente de John Lennon, ainda que com direito a trazer sua viúva como brinde.
Caso à parte seria a cueca do Tiririca. Talvez ele nem use cueca e aí estou eu falando sobre um tema que nunca me passou pela cabeça. Antes que reclamem que eu perdi a compostura, ocupando nobre espaço com tão emocionante legado, fico por aqui mesmo.
Por essas e outras, sei que a cultura, no fundo, pode ser caso de polícia. Sócrates foi obrigado a beber cicuta porque disse alguma coisa parecida a respeito dos valores culturais de seu tempo.
Folha de S. Paulo (RJ), 16/4/2013