Ao contrário dos Evangelhos, em que tudo era "naquele tempo", a história que vou contar é do nosso tempo mesmo. Um jornalista soube que o prefeito de uma cidade do interior conseguira fazer um hospital cinco estrelas, com centro cirúrgico que o próprio alcaide, ao inaugurá-lo, declarou que "era digno do Primeiro Mundo".
Em tempo: quando se usa essa expressão, dá-se a entender que no Primeiro Mundo ninguém morre, ninguém tem dor de barriga ou de alma. Ledo e ivo engano! Mas vamos lá.
O fato é que o hospital era decente mesmo, aliás, era decentíssimo.
Sabendo que havia um glorioso quisto primeiro-mundista encravado numa das regiões mais miseráveis do Brasil, o jornalista decidiu assuntar. Tomou avião, ônibus, carro de boi e canoa, chegou ao paraíso terrestre hospitalar.
E -por Júpiter!- encontrou aquilo que antigamente os jornais, para evitar a repetição da palavra hospital, chamavam de "nosocômio".
O centro cirúrgico podia fazer transplantes de cabeça, tronco e membros de qualquer mortal, embora os mortais da região nem precisassem disso.
Entrevistou o prefeito. Onde conseguira recursos para uma obra daquelas? Verba do Ministério da Saúde? Patrocínio de um fundo de pensão? Ajuda do Eike Batista? Do Opus Dei?
Nada disso. O prefeito disse que, desde que tomara posse, três anos antes, não roubara nem deixara ninguém roubar. Ele descobrira que todos os serviços da administração municipal eram terceirizados, desde a merenda escolar até a banda (Euterpe Musical) que, todos os dias, tocava o hino da cidade na praça principal.
Outros prefeitos pagavam de 20% a 30% de comissão aos intermediários. Canalizou esses recursos de volta ao orçamento de que dispunha. Deu para fazer o hospital e ainda sobrou algum.
Folha de S. Paulo, 12/8/2012