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O preço da burrice

 

Não deu outra. Na semana passada, comentando o aumento prometido pelo Severino aos deputados, manifestei-me a favor da medida, achando que os congressistas ganham realmente pouco - opinião que contraria a massa infanto-juvenil e moralista da população brasileira, a mídia em primeiríssimo lugar.


Meu raciocínio é que os parlamentares deveriam ganhar mais, ganhar salários compatíveis com a missão que receberam do povo. Mas nem um centavo a mais, sob nenhum pretexto, muito menos para bancar dezenas de secretários, assessores e aspones, ter passagens grátis nos aviões de carreira, franquia postal, acesso indiscriminado às gráficas do Senado e da Câmara, podendo publicar livros, panfletos e, de forma velada, propaganda eleitoral, além de auxílio moradia ou, pura e simplesmente, moradia grátis.


Dei o exemplo de JK, que, quando foi deputado (1946), morava num hotel modesto, três estrelas, no Catete, bairro da baixa classe média, e que ia muitas vezes de bonde para a Câmara dos Deputados. Quando viajava para BH, pegava a maria-fumaça e pagava a passagem do próprio bolso. E não somente ele. Naquele tempo, não havia mordomias, o Parlamentar era remunerado para servir o país, ganhava relativamente bem e tinha de se virar com o salário que recebia, a menos que tivesse fortuna pessoal e pudesse bancar secretários e confortos.


Quando Severino falou em aumentar o vencimento dos deputados, a mídia promoveu uma grita geral. Resultado: o aumento não passou, mas as verbas da mordomia foram posteriormente aumentadas. O bom senso diria: ganhar um bom salário é direito de um servidor graduado, como um parlamentar. Agora, ganhar privilégios que colocam o parlamentar acima e além do resto do funcionalismo, isso, sim, é um abuso, e não adianta a mídia reclamar. Não fosse ela tão primária e maniqueísta e as coisas poderiam ser mais coerentes e inteligentes na vida pública.


 


Folha de São Paulo (São Paulo) 21/03/2005

Folha de São Paulo (São Paulo), 21/03/2005