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O poder suave do futebol

 

A Copa do Mundo de futebol que começa dia 14 confirma a tendência dos últimos anos de os países do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) usarem os grandes eventos esportivos internacionais para reforçar sua imagem política.  

A idéia de unir os quatro países emergentes que estariam no topo da economia mundial nos próximos 50 anos foi do economista Jim O’Neill da consultoria financeira Goldman Sachs, que formou esse acrônimo em 2003 com as letras iniciais deles, e depois incluiu a África do Sul.   

Brasil e Rússia não têm performado bem na economia nos últimos anos, e os demais, mesmo os que crescem aceleradamente como China e Índia, continuam com problemas sociais graves, inclusive déficit de democracia em alguns, como a própria Rússia, mais próxima de uma autocracia do que da democracia formal que exibe. 

A Rússia já organizara os Jogos Olímpicos de Inverno em 2014, mesmo ano em que o Brasil organizou a Copa do Mundo de futebol, e depois as Olimpíadas de 2016. A China fez os Jogos Olímpicos de Verão, em Beijing, a Índia os Jogos da Commonwealth 2010, em Delhi, e a África do Sul o Campeonato Mundial de futebol em 2010.  

O “soft power” passou a ser instrumento fundamental da política externa dos países emergentes. Expressão cunhada pelo cientista político Joseph S. Nye Jr, professor de Harvard, o “soft power” é uma terceira dimensão do poder, superando em certas situações até mesmo o poder econômico e o militar, que pode também ser representado pelas relações com aliados, na assistência econômica a países amigos ou em intercâmbios culturais, buscando uma opinião pública mais favorável. 

Assim como o “soft power” dos Estados Unidos está ligado, entre outros, à música, ao cinema, às novas tecnologias nascidas no Vale do Silício, e na França à moda e à gastronomia, o Brasil tem na música, especialmente na bossa-nova, e nas telenovelas facetas de seu “soft power” além do futebol. 

Se lembrarmos que em Cuba os restaurantes em casas de famílias passaram a se chamar “paladares” por causa de uma novela em que Regina Duarte era dona de um restaurante com esse nome, e que na antiga União Soviética as famosas dachas dos componentes da cúpula dirigente passaram a ser conhecidas como “fazendas” devido à novela Escrava Isaura, constatamos a força do ‘soft power”.

Os eventos esportivos são parte importante desse “poder suave”. O Brasil é bom exemplo disso, com a experiência exitosa do Exército nas Forças de Paz da ONU, destacadamente no Haiti por 13 anos. O jogo da Paz no Haiti, com a seleção brasileira e seus craques como Ronaldo, foi um dos pontos altos desse exercício de ‘soft power’.

 Às vezes, porém, o famoso ‘padrão FIFA’ mostra-se excessivo para os emergentes, e provoca protestos em setores da sociedade civil dos países mais democráticos, como aconteceu no Brasil e está acontecendo na Rússia, uma democracia em difícil construção. 

Os estádios de futebol muitas vezes são completamente desnecessários para o país pós-Copa, e superfaturados, com denúncias de corrupção, situação registrada no Brasil e repetida agora na Rússia. 

Os mega protestos contra Putin, eleito pela quarta vez seguida presidente da Rússia, misturam descontentamentos com o controle da informação, a repressão à oposição, e também a realização da Copa do Mundo, que até agora não faz muito sucesso de público.

A Copa não está empolgando os russos, a seleção não vai bem, com seguidas derrotas, e, como expressão do ‘soft power’ da Rússia, será mesmo mais importante para a imagem externa de Putin, que quer mostrar ao mundo um país moderno e pujante. 

O mesmo que os dirigentes da antiga União Soviética tentaram. Até nisso, porém, o governo de Putin terá dificuldades comparativas. Quem não se lembra do ursinho Micha chorando no encerramento das Olimpíadas de 1980? 

O Globo, 10/06/2018