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O poder e o crime

 

RIO DE JANEIRO - Não sei não. Acho que deve ser o espírito de porco que toma conta de mim e que me obriga a ser sempre do contra, duvidando de tudo, das verdades estabelecidas e, sobretudo das meias verdades, chegando ao ponto de duvidar até mesmo das mentiras.


Procuro ler atentamente a transcrição de conversas telefônicas que são divulgadas pela imprensa, provando o suposto comprometimento de autoridades com ações criminosas. Sinceramente, leio e releio os trechos assinalados como indicativos de tramóia, mas, fora do contexto, não consigo formar uma opinião a respeito.


Outro dia, o Janio de Freitas disse em seu artigo mais ou menos o que estou dizendo. Os diálogos grampeados podem ser interpretados de muitas maneiras. Mesmo dando o desconto dos códigos usados nessas conversas, a coisa fica meio nebulosa. Raramente são dados os nomes dos bois e dos movimentos gerais da boiada. No máximo, apanham-se dois ou três novilhos desgarrados.


Lembro um caso ocorrido no governo de FHC que provocou a demissão espalhafatosa de duas altas autoridades do sistema financeiro. Em algumas gravações, era ouvida a própria voz do presidente da República, num diálogo com um de seus auxiliares mais próximos, que acabou saindo do governo coberto de graves suspeitas.


Também no caso da violação do painel do Senado, ainda no governo de FHC, apareceram gravações em que o presidente seria o beneficiário das informações obtidas de modo ilegal. Apareceram bodes expiatórios e tudo ficou por isso mesmo.


Evidente que entre o céu e a terra existem muitas coisas além dos aviões de carreira (Shakespeare & Barão de Itararé). Há uma certeza absoluta sobre a corrupção do poder e a impunidade do crime. Simplificando: o crime acaba sendo o próprio poder.


Folha de S. Paulo (SP) 3/6/2008