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O poder do STF

 

Sempre que uma crise ganha dimensões, a judicialização política torna-se inevitável, e não é por acaso, portanto, que o Supremo Tribunal Federal está em destaque no momento, seja pelas decisões que tem que tomar, ou pelas citações em gravações de políticos em que a Operação Lava Jato é o centro das atenções.

O presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, tido como muito ligado ao ex-presidente Lula por proximidades familiares afetivas, ganhou um inesperado selo de independência registrado em uma conversa entre o presidente do Senado e o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, o mais novo delator do Lava Jato.

A certa altura Renan diz que a presidente afastada Dilma Rousseff estava irritada com Lewandowski, pois tentara conversar com ele sobre o processo de impeachment e ele "só queria falar de dinheiro", referindo-se ao aumento salarial do Judiciário.

Como Lewandowski é quem vai presidir o julgamento da fase final do processo de impeachment no Senado, fez muito bem de não conversar com a presidente sobre o tema. Quem estava beirando a ilegalidade era ela. Restringindo sua conversa sobre o aumento salarial do Judiciário, Lewandowski estava tratando de um tema para o qual está legitimamente credenciado.

Ele ontem soltou uma nota afirmando que os ministros do Supremo têm obrigação de receber e conversar com representantes de outros poderes, mas essas conversas não interferem na independência de suas decisões. Tratava de rebater a tentativa de desmoralizar o STF, que é a garantia institucional de que o processo de impeachment transcorre dentro dos preceitos constitucionais.

As gravações que estão sendo divulgadas, tanto as atuais do ex-senador Sérgio Machado quanto as anteriores, envolvendo a então presidente Dilma e o ex-presidente Lula, voltaram à análise do Supremo, com tentativas das defesas dos envolvidos de anulá-las. O Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, deu um parecer esta semana afirmando que, apesar de as interceptações terem envolvido Dilma, que, devido ao "foro privilegiado" só pode ser investigada no Supremo, o juiz Sérgio Moro não violou a competência do STF porque o alvo das gravações não era a presidente afastada, mas o ex-presidente Lula.

Já o advogado do senador Romero Jucá,  Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, vai pedir a anulação das gravações feitas por Sérgio Machado alegando que, se não houve autorização judicial, os áudios não podem ser usados como prova. A tendência é que não tenha êxito, pois o ministro Teori Zavaski homologou a delação premiada, sinal de que não viu nenhuma ilegalidade.

Na verdade, de acordo com trabalho do criminalista João Bernardo Kappen, há uma jurisprudência vasta no STF que diz que gravação ambiental de conversa feita por um dos interlocutores sem o consentimento do outro constitui, para o processo penal, prova documental lícita,  aceita também em processos cíveis.

Segundo o Supremo, essa hipótese não é acobertada pela garantia do sigilo das comunicações telefônicas. Em decisão com repercussão geral em várias ocasiões, o STF decidiu que "se qualquer dos interlocutores pode, em depoimento pessoal ou como testemunha, revelar o conteúdo de sua conversa, não há como reconhecer a ilicitude da prova decorrente da gravação ambiental".

Há, no entanto, pareceres de advogados que veem a possibilidade de essas gravações clandestinas serem consideradas "violação de segredo". A professora Ada Pellegrini, por exemplo, defende que elas só podem ser usadas em legítima defesa, e não para acusar alguém. O advogado João Bernardo Kappen ressalta que, segundo a professora Pellegrini, gravações feitas com o propósito  deliberado de conseguir documentação de determinadas informações de cunho incriminador, geralmente repassadas às autoridades, não podem ser consideradas legítimas.

Essa interpretação confronta o espírito da delação premiada, e gravações como as que fez o ex-senador Sérgio Machado são muito comuns em outras partes do mundo, servindo de subsídios valiosos para processos contra corrupção, como recentemente aconteceu com as investigações do FBI sobre a Fifa.

O empresário brasileiro J. Hawilla fez um acordo de delação premiada e gravou diversas conversas com pessoas que participavam das negociatas. Caberá mais uma vez ao STF definir os limites legais desse tipo de ação.   

O Globo, 27/05/2016