De tudo o que aconteceu em abril do ano passado durante a palestra do deputado Jair Bolsonaro no clube Hebraica do Rio de Janeiro, o mais estarrecedor não foi nem o que ele disse e que levou a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, a pedir há pouco ao STF sua condenação a três anos de prisão e multa de R$ 400 mil pelos crimes de racismo contra quilombolas, indígenas, refugiados, mulheres e gays. Afinal, não havia nada de novo no que foi dito, era apenas uma parte da conhecida folha corrida de Bolsonaro, da qual constam homofobia, xenofobia, misoginia. Além disso, ele já era réu em duas ações que tramitam no Supremo — uma por apologia ao crime de injúria e outra por incitação ao estupro, ambas relacionadas ao episódio em que ofendeu a deputada Maria do Rosário, dizendo que ela não merecia ser estuprada porque era feia.
O que na verdade mais chocou na Hebraica foi a reação da plateia. Estavam ali umas 300 pessoas que, certamente, sabiam pela História ou por relato de algum parente, amigo ou conhecido o que foi o Holocausto, o maior genocídio do século XX, quando seis milhões de judeus foram conduzidos às câmeras de gás como animais levados ao matadouro — apenas por serem judeus.
Pois aquelas pessoas deram boas risadas quando ouviram o palestrante contar sua visita a um quilombo. “O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas”, ele disse, provocando inacreditáveis gargalhadas. “Não fazem nada! Eu acho que nem para procriador servem mais”. Outras tantas risadas. Depois, gritos de “mito, mito”. Ouça a gravação na internet e veja se descobre o motivo de alguém achar graça em tamanho desprezo pelo gênero humano — apenas por serem negros.
Houve protestos contra a presença na Hebraica de quem “tem ideias como as que causaram o Holocausto”. Do lado de fora, um grupo que não pôde entrar (era só para convidados) gritou palavras de ordem e exibiu cartazes como “sionista não apoia fascista”.
Mas, por outro lado, houve também um abaixo-assinado da Associação Sionista Brasil-Israel, com mais de sete mil signatários, em defesa de quem, segundo o documento, “tem se mostrado o maior amigo do Estado de Israel”.
Só que esse manifesto foi considerado “apócrifo” pela Fierj. Em nota, ela reafirma sua condição de “única entidade” que representa os judeus no Rio. “A Fierj ratifica o desconhecimento da existência da autointitulada Associação Sionista Brasil-Israel e repudia qualquer manifestação em nome de seus representados em relação ao tema ali tratado”.
No STF ainda não há previsão para o julgamento da denúncia na Primeira Turma. Mas qualquer que seja o resultado, Bolsonaro conseguiu um nada invejável feito: dividir a comunidade judaica.