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O PCC e a Carta Magna

 

A TV Globo exibiu, sob iminência de morte de seu funcionário seqüestrado, o comunicado do PCC, concernente à situação dos presidiários em São Paulo. Denuncia sua exposição o tratamento que viola a garantia dos direitos humanos assegurada pela Carta Magna. Indo ao ar dentro desta ameaça-limite, o documento se caracteriza como peça jurídica, mantida no estrito rigor de um requisitório dos tribunais, e cobra o respeito, nas cadeias de São Paulo, à integridade física e psicológica do detento.


 


Aí estão os tropeços do texto, como o de confundir ilusionismo com iluminismo, já que o documento se quer vinculado às raízes históricas da proteção do indivíduo na Revolução Francesa. Não importa que a redação venha dos advogados dos prisioneiros. O significativo é o quanto o pleito, em condições ímpares de audiência nacional, não foi aos desgarros da violência, nem das ameaças, nem do destempero verbal, facilitado pela ocasião inédita do PCC, para sensibilizar a opinião pública.


 


O secretário de Segurança de São Paulo tentou em vão sofrear a publicação, pelo sistema Globo, mesmo que custasse a vida de Portanova, o seqüestrado. Repetiu o óbvio argumento, da gravidade do precedente e das reações em cadeia que poderia deflagrar. Mas a verdade é que o comunicado ficou nos limites do exercício do direito do cidadão, de que não se priva qualquer brasileiro, em qualquer condição, no quadro da Carta Magna.


 


Nos mesmos dias, exatamente em situação similar, o Tribunal Regional de Justiça de São Paulo declarou exatamente a inconstitucionalidade dos preceitos legais, que reinauguraram, como instrumento de ameaça generalizada ao crime, o novo rigor das detenções dos internamentos solitários impostos a criminosos pela sua conduta nos presídios. Com efeito, o que se faz mister é impedir que a lei acolha o crescendo das retaliações como estrita resposta ao extremo assumido pela violência urbana no país.


 


O belicoso secretário de Segurança de São Paulo tomou conhecimento do conteúdo do texto, que quis banir à custa da morte de Portanova? Ou a escalada entre o PCC e a polícia de São Paulo entrou no terreno calcinado dos taliões e dos próximos massacres entre o aparelho de segurança e a precisão das máfias detentas em todo comando de sua comunicação eletrônica? No novo quadro limite em que a violência se transformou em dividendo inevitável da desordem da urbanização brasileira, não é dentro dos jogos serôdios da intimidação pela lei horrenda que sairemos do pânico continuado nas megalópoles brasileiras.


 


Inquieta nesse mesmo aspecto que, no óbvio das bulas, o Alckmin só venha, na sua campanha, a pedir mais do medo, ou seja, da ameaça punitiva - porque há leis hediondas como crimes hediondos - para em vão tentar desencorajar o bandido antes do novo assalto. A nitidez da fala do Judiciário - espera-se - veio a tempo, para frear a ladeira da retórica e da falsa boa consciência, no enfrentar uma condição social, de marginalidade, e destruição, chegada à abominação de Marcola e seus sequazes.


 


O encapuzado do PCC, na televisão, na história do nosso terror, abre uma etapa inesperada para que a confiança no Estado de Direito não seja um privilégio do Brasil, do lado de fora das prisões de segurança máxima - e do sufoco da vida de seus detentos.


 


Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 23/08/2006

Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), 23/08/2006