Ontem, nos 64 anos de Brasília, dei uma entrevista muito pessoal sobre a minha história com a cidade em que estou mais da metade da minha vida, desde a sua fundação. Hoje talvez seja, entre os poucos que vieram para esta capital, o mais velho dos deputados da transferência do Rio para Brasília que ainda sobrevivem. Nunca consegui libertar-me das lembranças do que foi vir morar aqui naquele ano de 1960, senão que era aventura e sonho. Aventura da mudança com o caos das construções e o sentimento de que éramos estudantes sonhando com o futuro. T. S. Eliot dizia que no presente e no futuro estão o passado e o futuro, que para mim foi chegando ao ver esta metrópole, a cidade crescendo cada vez mais com fábricas e projetos agrícolas em toda a região, a qual passou a ser de sua total influência.
Mas estão me cobrando as consequências políticas da mudança da capital. E me ocorre dizer que a maior de todas foi que o regime militar passou a tratar de forma equivocada o problema partidário, acabando com os partidos políticos e criando dois partidos, MDB e Arena, por decreto. Isso só desapareceu no governo do Presidente Geisel, por iniciativa do ministro Golbery, possibilitando a criação de outros partidos.
Eu, no Congresso, comandei a aprovação dessa lei e fui relator da Emenda Constitucional que acabou com os atos institucionais, inclusive o AI-5. O Brasil nunca teve partidos políticos nacionais, como ocorreu com seus vizinhos, o Paraguai, a Argentina e o Uruguai, que têm partidos centenários. Aqui tínhamos partidos regionais e só chegamos à existência do partido nacional pela Lei Agamenon Magalhães, de 1945. O Getúlio, vitorioso em 30, entregou a Assis Brasil a elaboração da lei eleitoral, que nos deu o voto proporcional uninominal, uma ideia do século 19, que achava que todos que adotavam uma ideologia deviam ser representados no Parlamento.
O exercício desse voto proporcional criou até hoje o caos do nosso sistema partidário e incentivou a multiplicação dos partidos. Todas as vezes em que se tentou barrar essa dinâmica foi encontrada resistência. Esta teve até a participação do Supremo Tribunal Federal, quando derrubou a Lei de Barreira, estabelecendo condições para o funcionamento de um novo partido ou dos partidos já existentes, que tinham mínima expressão eleitoral. Para a mudança da capital, um dos argumentos mais fortes que adotavam os que eram contrários era a vulnerabilidade do Rio de Janeiro a essas pressões, que recaíam sobre o Poder Executivo e os demais Poderes, o que justificava o número de investidas de golpes e a expressão "A vila vai descer?", que era o apelo à Vila Militar, que tinha o maior poder de fogo em nosso Exército. Outro argumento era o de que o Rio de Janeiro, pela pressão da sociedade, era um caldo de cultura que apoiava o surgimento de bons políticos e o desaparecimento de maus políticos. E Brasília não teria essa condição, a começar pela diáspora de parte dos líderes, como o próprio Carlos Lacerda, que batia nessas teclas e não veio para Brasília. Eu acho que a crise dos nossos partidos é o fato de eles não praticarem a democracia interna, e, dominando a estrutura partidária, também não praticarem o exercício da política do interesse público. Fica o terreno da corrupção e da anarquia. Isto, aliado ao voto proporcional, é um casamento perfeito para alimentar a crise dos partidos.
A verdade é que agora, depois que o Legislativo encheu de dinheiro os partidos, estes passaram a ser mais disputados e aumentou a vontade de criá-los. Temos 29 partidos e cerca de 50 em criação. Hoje, a judicialização da Política e a politização da Justiça, na expressão de Jobim, podem levar o País à ingovernabilidade. Sem partidos fortes não teremos democracia forte.