Diga-se logo: o paraíso perdido é a Amazônia. Apesar de Alberto Rangel haver chamado a região de Inferno Verde, bastou que lá fosse Euclides da Cunha para descobrirmos que se tratava de um paraíso, embora perdido. Já há dúvidas hoje sobre qual haja sido maior: o Euclides da Cunha do Nordeste ou o Euclides da Amazônia. Não que seja necessária uma opção no caso. Mas é que a evidente importância do lado nordestino da obra euclidiana ofuscou por algum tempo as novidades de seus estudos amazônicos.
O pioneirismo de Tavares Bastos, cujo livro O vale do Amazonas foi publicado no mesmo ano do nascimento de Euclides, 1866, produziria seus melhores frutos com o assomar da República brasileira e através do entusiasmo idealista - inclusive no significado filosófico do adjetivo - dos republicanos. A este respeito, pode Euclides ser tido como exemplo. Em carta que dirigiu à Gazeta de Notícias, em 18 de fevereiro de 1894, quando se opõe a declarações de João Cordeiro, senador pelo Ceará, que dera a idéia de serem os presos políticos de então fuzilados, como represália ao aparecimento de uma bomba na redação do jornal O Tempo, diz, em determinada altura, Euclides: ''Confesso, Senhor Redator, que uma tal proposição, ousadamente atirada à publicidade, num país nobilitado pela forma republicana, deve cair de pronto sob a revolta imediata dos caracteres que, na fase dolorosa que atravessamos, tenham ainda o heroísmo da honestidade''. Naquele ''num país nobilitado pela forma republicana'' está Euclides todo inteiro.
Sob o título de Um paraíso perdido, teria Euclides escrito um livro como só ele o poderia fazer, se não tivesse morrido pouco depois de regressar da Amazônia.
Que fizemos nós em prol da Amazônia esse tempo todo? Continua ela sendo um paraíso perdido, ou nem isto? Estamos, no momento, vendo como nossas autoridades se mostram incapazes de controlar uma região em que uma representante religiosa, missionária, é assassinada por exploradores da região. Precisamos desde já saber que poderemos ter de enfrentar uma guerra, uma verdadeira guerra para evitar que entidades internacionais tomem conta do que é nosso.
Em meus tempos de professor na Inglaterra muito falei sobre a Amazônia ''brasileira'', acentuando sempre a palavra ''brasileira'', pois é o que devemos defender: a brasilidade daquela vasta região, sem compromisso com país nenhum, seja vizinho ou não, com entidade nenhuma, seja a ONU ou qualquer outra, que se disponha a assumir responsabilidade em terra nossa.
Na Universidade de Liverpool, em que eu dava cursos de literatura brasileira, fiz certa vez uma conferência sobre a Amazônia. Em seguida às minhas palavras, um professor local pediu a palavra e disse mais ou menos o seguinte: a floresta amazônica é responsável pela sexta parte do oxigênio do mundo. Sendo assim, chegará um tempo em que vários países e entidades deverão, sob o comando geral da ONU, cuidar diretamente da preservação da Amazônia.
Pedi então a palavra outra vez para dizer que já ouvira opiniões sobre um sexto do oxigênio, mas também soubera, por outras fontes, que não havia a menor base científica para essa opinião. Acrescentei mais: que a menor invasão da Amazônia colocará o Brasil em estado de verdadeira guerra, para dali expulsar os estrangeiros que se arvorarem em ''salvadores'' das nossas florestas.
A presença de Euclides na Amazônia ganhou novo entendimento com o livro de um escritor que morreu há poucos meses: Leandro Tocantins, autor de Euclides da Cunha e o paraíso perdido. Nele está o efeito que a tese da Amazônia brasileira, difundida por Euclides da Cunha, pode exercer sobre uma nova geração brasileira que se torne ciosa da importância daquele nosso muito sofrido território.
Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 09/03/2005