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O paradoxo do PT

 

A relação do governo petista com sua suposta base parlamentar começa a azedar diante de evidências de que a disputa por cargos e poder não está pacificada. A crise mais recente envolve o ministro das Comunicações, Juscelino Filho - um nome que é um estelionato eleitoral -, mas outras desconfianças rondam o ministério.

O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, é acusado pelo PT de ter indicado nomes para o conselho de administração da Petrobras não comprometidas com os 'valores' do novo governo. Fora outros ministros que indicaram outros que já estiveram em cargos semelhantes no governo Bolsonaro.

O PT, com sua tendência hegemonista, procura avançar em cargos hoje nas mãos do Centrão, que também tem apetite aguçado por ministérios e empresas hoje nas mãos do PT. Esse é o clima que explica a fala do presidente da Câmara, Arthur Lira, ontem, em que afirma que o governo Lula ainda não tem uma base consolidada no Congresso, nem mesmo para aprovar matérias que exigem maioria simples, quanto mais para mudanças constitucionais.

Foi uma fala cheia de recados para o Palácio do Planalto, destacando a diferença entre 'um governo de esquerda' e um Congresso 'conservador, liberal'. Esse é um ponto crucial nessa nova conformação das relações institucionais entre Congresso e Planalto. Lira chamou a atenção para o fato de o Congresso hoje ter mais autonomia e capacidade de ação do que anteriormente, nos primeiros governos petistas.

Lira fez questão de ressaltar a diferença entre posições políticas do PT e da maioria dos parlamentares. Deu o exemplo da reforma administrativa, que estaria pronta para ser votada, mas tem dificuldades devido à posição ideológica do governo. Outra questão delicada é a proposta que será enviada pelo ministro da Fazenda,

Fernando Haddad, para substituir o teto de gastos, que o Centrão quer manter. Lira foi direto, cobrando que a proposta do governo terá de ser 'prudente, responsável, equilibrada' para ser aprovada. Essa disputa, nem sempre surda, entre o PT e os partidos de centro ou de direita preocupa o Palácio do Planalto e os ministros encarregados das negociações políticas. A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, estaria passando dos limites nas críticas e exigências de punição a representantes da aliança política, como Juscelino Filho.

Partidos como o União Brasil, que têm fome de poder, começam a reagir ao PT, que tem a mesma fome, além de a faca e o queijo nas mãos. Lula está numa fase ansiosa de sua carreira política, parece assustado com as dificuldades que enfrenta para deslanchar seu governo -e raivoso.

Mesmo que já tenha dado declarações admitindo concorrer à reeleição, tudo indica que fez isso para acalmar a disputa dentro do próprio PT, que coloca o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, como potencial candidato a seu sucessor, contra parte importante do próprio PT.

A ala mais radical petista puxa o governo para a esquerda, quando ele deveria estar indo para o centro, definição que levou à vitória de Lula. A diferença mínima contra Bolsonaro também foi ressaltada pelo presidente da Câmara, como se lembrasse que o governo Lula precisa se moderar para conseguir apoio majoritário no Congresso.

A pressão de Gleisi pela demissão de Juscelino Filho dificulta a relação do governo como União Brasil, que pode fazer uma federação, ou até mesmo fusão, como PP para formar o maior bloco partidário do Congresso. O governo monitora esses movimentos, e no fim de semana chegou a informação de que as negociações entre os dois partidos do Centrão estão difíceis, para seu alívio momentâneo.

O paradoxo da luta interna do PT é que, se Haddad fracassar, terá sido um fracasso do governo Lula. Se der certo, será provavelmente o candidato do partido à Presidência na sucessão de Lula.

"A ala mais radical petista puxa o governo para a esquerda, quando ele deveria estar indo para o centro".

O Globo, 07/03/2023