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O papa e a camisinha

 

Durante muitos e muitos anos, o Aleijadinho era desdenhado pelas cultas gentes. Tratava-se de um ignorante, que fazia leões com corpo de cachorro e cara de macaco. Em 1902, um crítico de artes plásticas austríaco viu a estátua do profeta Daniel em Congonhas do Campo e ficou horrorizado. Registrou em seu diário: "Só um povo imbecilizado pela sífilis e pela malária consentiria que tal monstruosidade ficasse ao lado do profeta Daniel".


Aleijadinho nunca havia visto um leão, no tempo dele não havia fotografia, cinema, TV e internet. Imaginava-o como um cachorro com cara de macaco, animais que ele conhecia. Na realidade, era um ignorante. Mas um ignorante de gênio, isso existe mesmo, a história está cheia deles, embora a recíproca seja verdadeira: muitos gênios são idiotas de pai e mãe.


O papa que ontem foi enterrado era contra a camisinha, um remanescente da Idade Média. Se em vez de papa fosse escultor, seria pior do que Aleijadinho, faria leões com corpo de baleia e focinho de jacaré.


Para alguns católicos biônicos, e para a maioria dos indiferentes em matéria de religião, João Paulo 2º está sendo supervalorizado pela sífilis e pela malária de idiotas espalhados em todo o mundo. Quem condena a camisinha, o aborto e o casamento de homossexuais merece o desprezo dos tempos modernos e das mentes esclarecidas.


Se camisinha, aborto e casamento de homossexuais são fundamentais e excludentes para se avaliar quem quer que seja, eu posso me considerar um iluminado, não sabia que estava beirando os subúrbios da genialidade: sou a favor da camisinha, do aborto em certos casos e, não do casamento, mas da união civil dos homossexuais.


Mesmo assim, ao contrário do crítico austríaco que desprezou o Aleijadinho, acho que João Paulo 2º, apesar dos leões com cara de macaco, ficará na história como um dos momentos mais importantes produzidos pela humanidade.


 


 


Folha de São Paulo (São Paulo) 14/04/2005

Folha de São Paulo (São Paulo), 14/04/2005