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O pântano e o rio

 

Semana passada, o "The Economist" dedicou matéria importante ao surto de corrupção que está marcando os primeiros meses do novo governo brasileiro. Entre considerações gerais, algumas gerais em excesso, classificou Brasília como um "pântano", terreno movediço que em pouquíssimo tempo tragou ministros, autoridades, lobistas e, de certa forma, vem impedindo que os bons propósitos da recente campanha presidencial sejam levados a sério, pelos menos até agora.

Curiosamente, o Rio de Janeiro, apesar de seus inúmeros problemas urbanos e sociais, de seus bolsões de miséria e violência, de seus desastres ambientais que ocupam manchetes na mídia de todo o mundo, começa a se destacar como um "point" na agenda mundial. No futuro imediato que nos espera, além de uma Copa do Mundo e de uma Olimpíada, o papa Bento XVI escolheu a cidade para a próxima Jornada Mundial da Juventude, cujo último evento foi na Espanha. E a escolha do Rio foi saudada com entusiasmo por todas as associações que integram o movimento.

País considerado do futuro, a antiga capital do Brasil parece que herdou a profecia que Stefan Zweig tornou famosa. Será o Rio uma cidade do futuro? A resposta é complicada, principalmente se juntarmos na mesma equação o pântano brasiliense e a idade de ouro que parece ter encontro marcado às margens da Guanabara.

Como todos sabemos, os dois grandes acontecimentos previstos para 2014 e 2016, somados agora a uma Jornada Mundial da Juventude para 2013, exigirão um tsunami de investimentos que desde agora estão atraindo a cobiça de interessados em buscar onde haverá dinheiro farto e controle mais ou menos exíguo. Dar uma camada de cal nos meios-fios das calçadas da cidade, como foi feito durante a Rio-92 (Conferência das Nações Unidas também conhecida como Eco-92) poderá dar uma ilusão de limpeza, mas não de eficiência.
 
Todas as grandes obras da humanidade, desde as pirâmides ao Canal do Panamá, tornaram-se exemplos de muitos gastos e pouca seriedade. Bem ou mal, haverá sempre uma taxa razoavelmente suportável de corrupção, de contratos supervalorizados, de fiscalização deficiente ou mesmo criminosa.

Para dar um exemplo relativamente modesto: para desmontar o morro do Castelo, aqui no Rio, que entupia o centro da cidade, foram contratados burros para puxar as carroças do aterro em tal número que daria para jogar toda a Mata Atlântica no mar.

No fundo, abrolhos da civilização, que cercaram de suspeitas outras obras monumentais, como o Estádio Mário Filho, a ponte Rio-Niterói, o túnel no canal da Mancha, a própria construção de Brasília. Contudo, o mau emprego das verbas, das licitações e dos prazos ficaram por conta do barro humano de que todos somos feitos: nobreza, clero e povo.

Os últimos escândalos que estão marcando os primeiros meses do novo governo, e que mereceram a classificação de "pântano" do importante órgão da imprensa mundial, devem servir de advertência não apenas aos governantes mas ao povo em geral.

Sabe-se, por exemplo, que as obras estão atrasadas, que os orçamentos previstos estão em permanente fase de estudos, previsões e atualizações, que investidores de todos os continentes estão assanhadíssimos com a perspectiva de grandes negócios e pouca fiscalização.

Não é caso para sermos pessimistas ou otimistas. O problema é a realidade em si, que no momento tanto nos maltrata. Afinal, a corrupção, que não chegou a fazer parte da campanha eleitoral vencida pelo mesmo partido que está no poder há mais de oito anos, tornou-se a referência maior dos nossos dias. Nem o Rio e muito menos o Brasil poderão se dar ao luxo de um vexame internacional de tal magnitude. Mas considerar a inevitabilidade do pântano equivale a um tiro no próprio pé que não apenas ferirá o nosso orgulho, mas aumentará a nossa vergonha.

Folha de São Paulo, 26/8/2011