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O orgulho da presença francesa

 

Paris, nesta época do ano, troca os seus habituais moradores por 30 milhões de turistas que não se importam com o calor infernal. Neste clima, na cidade preparada para o frio, a Academia Francesa homenageou a sua co-irmã brasileira (ABL) com uma sessão solene sous la coupole (em sua belíssima sede), valorizada pela imponente cúpula de estilo clássico.


Presença de 15 imortais brasileiros e outros tantos franceses, sob a liderança da secretária perpétua Hélène Carrère D'Encause, talvez a maior especialista em Rússia na língua de Marcel Proust. Houve diversos discursos que se revezaram na qualidade das análises feitas.


Predominou o relacionamento cultural de Brasil e França. O poeta Ivan Junqueira, presidente da ABL, falou com muita autoridade sobre o percurso literário de autores franceses. Jean D'Ormesson lembrou os anos vividos no Rio de Janeiro, pai embaixador, revelando o seu amor pelo futebol e ainda guardando na memória a marchinha Mamãe eu quero. Foi um simpático momento de descontração.


Maurice Druon, genial autor do clássico O menino do dedo verde, com sua belíssima cabeleira branca, discorreu sobre o prazer com que nos visitou algumas vezes. Numa delas, em 1998, lançou as sementes do Prêmio da Latinidade e da Academia da Latinidade, tendo a delicadeza de salientar a nossa participação favorável às iniciativas, quando na presidência da Academia Brasileira de Letras.


A nosso ver, o ponto alto da solenidade foi o discurso do ex-presidente José Sarney. Denso, oportuno, teve características de uma peça produzida e lida por um misto de escritor e estadista. Foi muito aplaudido. Referiu-se ao fato de que ''nossas academias são guardiãs do patrimônio representado pelas línguas, saídas do mesmo berço do Lácio. Não queremos perder nossas identidades nem a maneira de pensar e viver''.


Sarney falou dos livros escritos por franceses e brasileiros, numa ação recíproca, com o essencial refletido no orgulho da presença francesa entre nós. Isso está claramente identificado no imaginário popular e pode ser exemplificado, particularmente, com as várias manifestações culturais existentes em São Luis, onde a força da França perdura na alma popular, em suas estátuas, canções e na magia de pensar. ''A França ali é aquela mulher mais bela, esvoaçante, símbolo da liberdade que flutua na alma rebelde da cidade.''


Fora os ideais frustrados da França Antártica, recebemos uma forte influência cultural francesa, que só começou a perder substância a partir do fim da II Guerra Mundial. A troca pelos efeitos da cultura norte-americana, por intermédio de filmes, músicas, vídeo, televisão etc, foi uma realidade. O que se questiona é se houve vantagem para a nação em desenvolvimento. Na dúvida, restituímos a língua francesa aos nossos currículos, a partir de 1980, com enorme sucesso. Pena que não tivesse ocorrido a necessária continuidade. São os argumentos hoje utilizados pelos especialistas da Aliança Francesa. Em conseqüência da obrigatoriedade da língua francesa no sistema público de ensino, nossos jovens passaram a conviver com autores como Baudelaire, Verlaine, Rimbaud, Mallarmé e Appolinaire, somente no que se refere à poesia.


Voltando a José Sarney, na Académie Française, são suas as palavras: ''Nossas línguas devem ser, acima de tudo, vetores de amplos movimentos de renovação cultural e de cultura e, por conseguinte, de desenvolvimento. Os universos lusófono e francófono tornaram-se amplos e diversificados. Neles se afirma um saudável pluralismo cultural''. A que se pode agregar, dizemos nós, a vontade expressa de valorizar a latinidade, movimento que passou a contar com a simpatia das Academias da Bélgica e da Romênia, como nos afirmou convictamente o embaixador Jerônimo Moscardo. Desses países está emergindo um movimento natural de criação do Conselho da Latinidade, que contará com a simpatia de intelectuais brasileiros interessados na matéria.


Concordamos com Sarney quando afirmou que a cultura hoje necessita de vigilante proteção. ''Numa sociedade voltada para o consumo, para a riqueza, há uma constante e perigosa diminuição dos elementos que construíram a nossa civilização... Por que não pensar também que uma potência cultural gera desenvolvimento econômico e político?''


Através do livro, instrumento insubstituível de cultura, onde está registrado todo o conhecimento, todo o amor, toda a fé, ricos e pobres terão condições de defender as novas idéias que animam a sociedade, daí a necessidade da sua universalização, que todos desejamos ardentemente. Esta foi a grande mensagem que prevaleceu no encontro das Academias amigas.


 


Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 27/07/2005

Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), 27/07/2005