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O ocaso do Império

 

Oliveira Viana escreveu O ocaso do Império em 1925, quando a capital da República estava mergulhada em grande controvérsia decorrente da celebração do centenário de nascimento de Dom Pedro II, que jogava monarquistas e republicanos desiludidos contra os velhos republicanos.


Enfrentou o desafio de escrever a primeira análise não partidária da queda do Império, socorrendo-se do mesmo enfoque sociológico usado nas obras anteriores, como Populações meridionais do Brasil. O que distingue O ocaso do Império dessas obras é apenas a concentração da análise na dimensão política e ideológica. Oliveira Viana buscou a explicação da queda do antigo regime em alterações na legitimidade política, nos efeitos políticos da abolição, na expansão do ideal republicano e nas características psicológicas e organizacionais dos militares.


No primeiro caso, foi buscar as origens da queda na crise de 1868, quando Pedro II, fazendo uso das atribuições do Poder Moderador, substituiu o gabinete progressista de Zacarias de Góes e Vasconcelos pelo do conservador Visconde de Itaboraí. A fragilidade institucional do sistema, diz Oliveira Viana, inspirando-se em Joaquim Nabuco, derivava da existência de um parlamentarismo sem opinião pública. Os últimos anos da monarquia foram marcados por um desencanto dos partidos com as instituições monárquico-representativas e pela descrença na viabilidade de um terceiro reinado.


Quanto à abolição, argumenta que, feita sem indenização, gerou enorme irritação entre os proprietários contra o chefe de Estado e contra a própria instituição monárquica. O capítulo mais original do livro é o dedicado à análise do papel dos militares e de sua relação com os políticos. Merece destaque a caracterização da psicologia dos militares e de seu espírito corporativo. Igualmente importante é a denúncia da prática dos políticos imperiais, continuada na República, de cortejar os militares e fazer deles instrumentos de política partidária. Os civis tinham criado o que chama de "entidade monstruosa", a figura do cidadão-fardado, que, aliada ao espírito de corpo desenvolvido após a Guerra do Paraguai, era fonte permanente de conflitos com o poder civil.


A explicação do ocaso do Império feita por Oliveira Viana tornou-se clássica e foi retomada por muitos pesquisadores depois dele. A análise dos militares, particularmente, inspirou estudos recentes embasados na sociologia das organizações. Pode-se dizer que análises posteriores acrescentaram apenas duas causas políticas e ideológicas à queda do Império, para ficarmos dentro da delimitação do livro: o papel da Igreja e o de São Paulo, a província.


Há em O ocaso do Império uma clara projeção do ambiente político da década de 1920, época de desencanto com o funcionamento da Carta de 1891 e com a República, agravado pelo fato de não se vislumbrar alternativa.


Não há em O ocaso saudosismo do Império, exceto talvez na admiração pela figura do imperador, nem avaliação negativa. Foi cumprida a promessa de uma análise não partidária. O autor mantém a avaliação positiva do papel civilizador do regime feita em Populações meridionais, o que agora invade o país, decorrente do esvaziamento da esperança de mudança gerada nas últimas eleições e da corrosão dos valores republicanos ligados ao respeito pela coisa pública, que conferem ao octogenário texto de Oliveira Viana inesperada atualidade.


Jornal do Brasil (RJ) 20/12/2006

Jornal do Brasil (RJ), 20/12/2006