Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > O ocaso de um símbolo

O ocaso de um símbolo

 

“Causa problemas de memória e de aprendizado, perda da coordenação motora, depressão, ansiedade, distúrbios de personalidade”


Para os rebeldes de Maio de 1968, e para os rebeldes dos anos 1960 em geral, a maconha era um símbolo. Não que se tratasse de uma novidade: a erva já era usada desde a antigüidade e até deu origem a lendas. Diz-se que na Pérsia do século 11 o líder rebelde Hasan ibn al-Sabbah, conhecido como “O Velho da Montanha”, recrutava terroristas para cometer assassinatos, dopando-os com haxixe – era a seita dos Hashishim, de onde teria vindo a palavra “assassino” e que foi a origem do Club des Hachichins, que na Paris do século 19 reunia intelectuais. No Brasil, a maconha, vinda da África, começou a ser usada já no primeiro século depois da chegada dos portugueses.


A substância só se tornou popular na classe média depois que a juventude incorporou-a a seu estilo de vida, à contracultura. Por que a maconha? Por várias razões. Em primeiro lugar porque, sem ser uma droga psicodélica, sem ter efeitos muito violentos, a droga dá um “barato”. Seu preço é mais acessível, porque maconha pode ser plantada em qualquer lugar (até em prisões já foi encontrada). O uso era comunitário, vários jovens partilhando de um mesmo cigarro. Por último, e não menos importante, fumar maconha era um gesto de revolta. Revolta contra as proibições, revolta contra as autoridades, revolta até contra a indústria: ao invés do cigarro comercializado (este sim, considerado danoso à saúde) era um produto informal, artesanal, natural até.


O consumo da maconha atingiu seu auge nos Estados Unidos dos anos 1960. Era a época da revolução sexual, dos protestos contra a guerra do Vietnã, da luta pelos direitos civis. Em 1967 a maconha apareceu na capa do novo disco dos Beatles, Sgt. Pepper's lonely hearts club band. Não por acaso os primeiros pontos de venda da maconha nos Estados Unidos surgiram em São Francisco, que era a capital da contestação; o México, vizinho da Califórnia, era o fornecedor habitual da erva. Os usuários da maconha eram em geral jovens universitários que participavam nas barulhentas manifestações políticas. E que fumavam seus baseados em ambientes especiais, nas danceterias com som ensurdecedor e lâmpadas estroboscópicas, ou, sentados sobre almofadas, em círculo, nos pequenos apartamentos iluminado por velas, perfurmados por incensos, rodeados pelas prateleiras cheias dos comix underground, ouvindo Mr. tambourine man, A little help from my friend, Lucy in the sky with diamonds, I can't get high. O cigarro da maconha circulava, com os jovens fazendo o possível por reter a fumaça o mais tempo possível nos pulmões. Claro, as autoridades advertiam que a maconha era o primeiro passo para a cocaína e a heroína, e ameaça de prisão era uma constante, mas isso só funcionava como desafio.


Nos conservadores anos 1970 a coisa começou a mudar. Maconha já não era uma causa, era uma diversão; já não vinha do pobre e folclórico México, mas, sim, da Colômbia, trazida por gangues. Ao mesmo tempo, pesquisas médicas mostravam cada vez mais que a maconha estava longe de ser uma substância inocente. Causa problemas de memória e de aprendizado, perda da coordenação motora, depressão, ansiedade, distúrbios de personalidade; o desempenho na escola e no trabalho fica seriamente comprometido. A maconha diminui a imunidade, e, como contém mais substâncias carciogênicas que o tabaco pode, como este, causar câncer de pulmão. Não é de admirar o resultado de uma recente enquete realizada pelo Datafolha em São Paulo. Em 25 anos a porcentagem de pais temerosos que os jovens da família se envolvam com drogas dobrou, indo de 23% a 46%. É de longe o temor mais comum, superando o medo de assaltos e da perda do emprego. Apesar disso, a maconha tem adeptos, dispostos a defendê-la em passeatas e manifestações. Descriminalizar a maconha tudo bem, porque as prisões brasileiras não reabilitam ninguém; mas daí a apoiá-la vai uma longa distância.


Agora, porém, apareceu um trabalho que certamente fará muitos jovens pensarem duas vezes antes de consumir a droga. Estudo publicado no prestigioso Journal of the American Medical Association mostra que fumar maconha aumenta muito o risco de doença gengival e queda dos dentes. Queda dos dentes, já pensaram? Dá para gritar protestos irados com uma boca banguela? Pelo jeito a maconha está mesmo chegando a seu ocaso.


Correio Braziliense (DF) 9/5/2008