Sempre que eleições se aproximam, nos últimos anos, tanto daqui como de outras colunas que lhe são franqueadas, esta humilde cronista adverte os seus patrícios a respeito do direito e da obrigação de votar.
A primeira e capital observação a fazer, a repetir, a insistir, é que um voto não é coisa que se possa ceder, oferecer como presente e muito menos negociar. Votar é uma questão de consciência e, acima de tudo, uma questão de sobrevivência. Votando escolhemos o governo, isto é, escolhemos o grupo de homens que vai não só fabricar as leis pelas quais nos regeremos, como executar essas leis. Votando entregamos a um determinado indivíduo o comando supremo de todas as forças armadas de terra, mar e ar do país, as quais ao presidente eleito ficam devendo fidelidade e obediência. E, portanto, se a escolha a nós compete, também a nós cabe a responsabilidade pelo que fazem os nossos escolhidos. Assim, se o Congresso passado cometeu algumas imoralidades, se votou leis erradas; se o executivo tem interpretado mal as boas leis ou se tem exorbitado das suas prerrogativas, em última análise somos nós os culpados por esses erros e por essas exorbitâncias, porque fomos nós, com o nosso voto livre, que elegemos o Congresso que legisla e o presidente que nos governa.
Por aí se vê quanto a escolha do candidato ao seu voto é, para o cidadão, uma questão de vida e morte. Votar em quem merece, votar em quem nos garanta as liberdades essenciais, votar em quem respeite o erário, em quem prestigie e cumpra a Constituição. Um voto é coisa importantíssima, porque o voto é o único instrumento legítimo de acesso ao poder. Só através dele se podem fazer governantes e legisladores, só o voto produz mandatos legítimos. Um voto não é de maneira nenhuma um favor que se conceda graciosamente a um amigo que nos faz gentilezas; uma cortesia para com o chefe político que nos pode facilitar interesses, ou um chefe de organizações criminosas que nos ameace. Um voto é gesto irremediável que significa a nossa escolha, pessoal e intransferível, de determinado indivíduo para o exercício de um posto do qual depende a nossa segurança e a nossa própria sobrevivência.
E se por acaso as circunstâncias do meio onde vive ou onde trabalha não permitem ao eleitor externar suas preferências antes da eleição e o obrigam a simular uma simpatia política que não é a sua, lembre-se o eleitor de que, na hora de votar, não há poder neste mundo que o controle senão a sua consciência de cidadão. Por isso mesmo o voto é secreto. Daquele voto não terá ele que prestar contas a ninguém, já que ninguém viu em quem ele votou.
Isso poderá parecer covardia. Talvez. Num mundo onde todos fossem fortes e iguais. Mas neste mundo desigual em que a força arrogante de poucos está sempre procurando escravizar a fraqueza dos demais, não é covarde o fraco que foge às provocações do forte. Ou antes: o voto é a única arma de que dispõem os que não têm outras armas - nem dinheiro, nem poder, e estão à mercê da crescente criminalidade e violência, fortalecidas pela impunidade, tão criminosa quanto os próprios crimes.
O Estado de São Paulo (São Paulo - SP) em 05/10/2002