Tem o Natal no Brasil, como festa popular, uma tradição de alegria pelo nascimento do Menino, em festejos que foram registrados por estudiosos de nossos costumes que se curvaram sobre o modo de o povo demonstrar seu regozijo nesse período. Entre os autores dessas pesquisas estão Luís da Câmara Cascudo em vários de seus livros, principalmente no "Dicionário do folclore brasileiro", Manuel Quirino em "A Bahia de outrora", Adelino Brandão em "Recortes de folclore", Théo Brandão em "O auto dos caboclinhos" e Sílvio Romero em "Cantos populares do Brasil".
Estuda Câmara Cascudo as festas que se realizam em várias partes do Brasil, entre meados de dezembro e o dia de Reis, como o bumba-meu-boi, o boi-boi-calemba, as cheganças, as marujadas ou fandangos, os pastoris como as velhas lapinhas de antigamente, as congadas, os congos e os reisados. Muitos desses festejos acontecem no dia 24 de dezembro, no aguardo da Missa do Galo.
Manuel Quirino fala nos bailes pastoris que preparam o Natal e cujo início, em Portugal, se devera ao talento de Gil Vicente que, para o Natal de 1502, compusera o primeiro auto pastoril, a pedido da Rainha D. Beatriz, mulher de D. Manuel, o Venturoso. Na Bahia, viam-se os artistas empenhados em fazer esculturas para o presépio, criando figuras em barro do engenho, jaspe do sertão e madeira, usando às vezes até cascas de cajazeira. Figuras cômicas que passeavam pelas cidades, nas vésperas de Natal, cantando:
"As barras do dia Já vêm clareando; Que belo menino Na Lapa chorando."
Quanto ao Pará, analisou Adelino Brandão, minuciosamente, as "pastorinhas" que se encenam em Belém e por todo o Estado. Explica: "Essas festas se iniciam na noite de Natal e terminam no dia de Reis (6 de janeiro), quando então "queimam-se as palhinhas" em honra do Menino-Deus. A primeira encenação é feita precisamente à meia-noite no dia 24 de dezembro."
Os espetáculos acontecem em dezenas de teatrinhos dos bairros em casas de família, sempre com audiências numerosas. Já Theo Brandão examina os autos dos Caboclinhos de Alagoas. Na realidade, Theo usa a palavra "caboclinhos" para distinguir o festejo alagoano dos caboclinhos de outros Estados. Fala também dos reisados locais e do auto dos "Guerreiros", de origem mais antiga.
Nos muitos folguedos do Nordeste, há um ciclo que vai de dezembro a abril: Natal, Ano-Bom, Carnaval, Quaresma. É normal que, ao longo dessas festas, se escolha sempre um rei, que as dirige. Essa tradição existe também nas lutas entre os Reis Cristãos e os Reis dos Mouros, de tradição medieval, que nos veio por intermédio dos portugueses. Às vezes também os reis africanos entram no enredo, mostrando a enorme diversidade de nossas raízes culturais.
No livro de Sílvio Romero, o ponto principal é o estudo, que faz, de Reisado da Borboleta, do Maracujá e do Pica-pau. Num dos espetáculos, aparece um grupo na estrada, que entra nas casas de uma rua, cantando: "Quando nesta casa entramos, / Toda cheia de alegria, / Da cepa nasceu o ramo, / Do ramo nasceu a flor / E da flor nasceu Maria / Mãe do nosso redentor." Na cena seguinte aparece a borboleta que é saudada com estes versos:
"Borboleta bonitinha, Saia fora do rosal, Venha cantar doces hinos, Hoje é noite de Natal." A Borboleta se apresenta: "Eu sou uma borboleta, Sou linda, sou feiticeira: Procurando quem me queira."
Ao longo desses festejos houve sempre um sincretismo, de usanças do Caboclinho juntando-se aos jeitos do Reisado, com o bumba-meu-boi funcionando, em muitos casos, como terreno comum ao redor do qual surgem enredos de outras origens. No Reisado da Borboleta pode aparecer um vaqueiro que funciona como palhaço e traz para o palco o pé de maracujá. Dois meninos cantam ao redor do tronco da árvore e, quase como sempre, entra um bumba-meu-boi com suas evoluções.
Está, assim, o Natal brasileiro, enlaçado com vários tipos de festejos que, embora com modificações aqui e ali, mantêm sua força e seu prestígio de vários tipos ao longo do País. Acrescente-se que, no meio das festas e danças, existem as comidas típicas da região, seus doces, seus enfeites, e nem sempre os textos normais de cada encenação permanecem os mesmos, já que a improvisação normal de nossa gente inventa versos e acha palavras que não estavam no programa. Como disse Câmara Cascudo: "O Natal é a festa popular que inclui todo o país, numa unanimidade rara em qualquer lugar."
Tribuna da Imprensa (Rio de Janeiro - RJ) em 23/12/2003