RIO DE JANEIRO - Sempre que tinha um problema difícil para resolver, Napoleão chamava um homem de nariz grande, porque, dizia o imperador, ele "sabe cheirar". Daí se conclui que o cheiro é importante não apenas para Napoleão mas para todos nós que somos marcados por determinados cheiros, pessoas e coisas que nos aconteceram.
Antigamente, o Carnaval tinha cheiro de lança-perfume, hoje tem de suor e cerveja. Cheiro bom mesmo é o do Natal, que, além de uma trilha musical ("Jingle Bells" e "Noite Feliz"), tem diversos cheiros que se entranharam dentro da gente. Cheiro de rabanada e de figos secos, mas, sobretudo, cheiro de abacaxi maduro.
Não entendo muito de fruticultura, mas, embora dando o ano todo, é nas proximidades do Natal que o abacaxi penetra em sua melhor fase. Aqui no Rio, é vendido aos montes em caminhões, barraquinhas e carrinhos como os da pipoca. É o rei das frutas, superando a sua dificuldade em ser descascado e "pela própria natura coroado", segundo o verso, se não me engano, de Santa Rita Durão. É majestoso no centro de uma bandeja cheia de outras frutas. Sobressai pelo tamanho e pelo cheiro. Se colocamos em sua carne uma fita vermelha, é um símbolo natalino que podemos literalmente desfrutar.
Para mim, o abacaxi é também um cheiro de infância e de família. Houve um ano, numas férias em Paquetá, que o pai comprou uma cesta enorme cheia de abacaxis. Não eram grandes, mas doces e perfumados. Não precisavam ser cortados em fatias, e cada um de nós pegava o seu abacaxi e o devorava inteiro, apressadamente, para ter direito a outro.
E, num Natal que passei preso, no Batalhão de Guardas, tive meu momento de festa quando na hora do rancho, com a comida execrável, uma pequena rodela de abacaxi me deu o gosto da infância e do Natal.
Folha de S. Paulo (SP) 18/12/2006