Dois fatos, que aparentemente nada têm em comum, podem servir de reflexão para avaliarmos como ficou difícil o bem comum da humanidade. Bin Laden, que, apesar de comandar uma facção terrorista internacional, não deixa de ser um simples indivíduo, propôs uma trégua a diversos países europeus desde que sejam retiradas as tropas coligadas aos Estados Unidos.
Um eu-sozinho, praticamente, substitui um Estado e enfrenta outros Estados soberanamente organizados, com leis, representação popular, estrutura diplomática e militar autônomas.
O outro fato de certa forma está no pólo trocado. O líder do Hamas, que chefiava um dos grupos palestinos contra Israel, foi morto dentro de seu carro não por um soldado ou assaltante numa esquina qualquer do Oriente Médio, mas por um míssil disparado por uma unidade da força aérea israelense.
Não houve batalha nem bombardeio. Foi uma briga isolada entre um Estado legalmente constituído e um indivíduo. A tecnologia de Israel, uma das mais adiantadas do mundo, dispõe de armas consideradas inteligentes, capazes de destruir um alvo isolado, um homem no meio da multidão.
A reflexão que se pode tirar dos dois fatos da semana passada é preocupante. O avanço tecnológico, mais cedo ou mais tarde, criará espécies de doutor Silvana, aquele cientista louco que nunca era vencido pelo capitão Marvel e que, quando ria, fazia "hi hi hi". Ou, mudando de ficção, aquele Doutor No, que o James Bond não conseguia destruir.
Na atual situação, poderemos ser reféns do dia para a noite de um único indivíduo, que, dispondo de uma rede ou de um arsenal próprios, atuará na voz passiva ou ativa dentro da estrutura mundial. Um garoto-gênio, em qualquer parte do mundo, dominando superlativamente a informática, sozinho, pode fazer estrago maior do que as hordas de Gengis Khan e as tropas de Hitler.
Folha de São Paulo (São Paulo - SP) em 21/04/2004