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O mundo e a glória

 

Nunca vi nada igual. Ao descer no aeroporto Charles de Gaulle, em Paris, para cobrir a Copa do Mundo de 1998, fiquei pasmo diante de um enorme pôster de Ronaldo Fenômeno.

Cobria praticamente toda a largura do aeroporto. Mais tarde, vi o mesmo pôster na Galeria Lafayette, não naquela loja atrás da Ópera, mas em Mont-parnasse, onde há uma filial do mesmo grupo. Era um anúncio da Nike, que patrocinava aquela Copa.

Nesta semana que acabou, vi a foto do mesmo Ronaldo nas folhas. Sentado numa cama exausta de ser cama, gordo, tendo contraído dengue, estava segurando aquela haste metálica onde os enfermeiros colocam as ampolas de soro e de outros medicamentos. Nos pés, uma sandália de dedo, sem identificação do fabricante, comprada em qualquer camelô.

Antes do deslumbramento do aeroporto, o maior pôster que havia visto era o de Che Guevara, na praça da Revolução, em Havana, mais ou menos no mesmo tamanho das fotos de Mao Tse-tung em Pequim e de Lênin na praça Vermelha, em Moscou. O pôster de Ronaldo era cinco vezes maior do que os três juntos. Bem verdade que, com a vitória da França naquele ano, Zidane substituiu o craque brasileiro. Mas quero repetir: nunca vira nada igual.

Muita água correu sob a ponte, Ronaldo engordou, foi picado pelo Aedes aegypti, ainda impõe baita respeito em campo, foi um dos maiores jogadores de todos os tempos. Os pés que lhe deram tamanha glória, que fizeram marketing para uma fábrica internacional, estavam à vontade nas sandálias de dedo.

Evidente que lhe desejo pronto restabelecimento, mas olhar a sua foto sentado na cama, cara meio desolada, me fez meditar mais uma vez sobre o efêmero da glória. Ia citar aquele clichê latino, "sic transit gloria mundi". Faz de conta que não citei, mas citado está.

Folha de São Paulo, 8/1/2012