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O monumento mutante

 

Já visitei muitos monumentos neste mundo, que procuraram imortalizar as cidades que os coloca em lugar de destaque. Homens imponentes, cujos nomes já foram esquecidos, mas que ainda permanecem montados em seus lindos cavalos. Mulheres que estendem coroas ou espadas para o céu, simbolizando vitórias que já não constam mais nem em livros escolares. Crianças solitárias e sem nome, gravadas em pedra, a inocência para sempre perdida durante as horas e dias em que foram obrigadas a posar para algum escultor que a história também esqueceu.


E no final de tudo, com pouquíssimas exceções (o Rio de Janeiro é uma delas com o seu Cristo Redentor) não são as estátuas que marcam a cidade, mas as coisas mais inesperadas. Quando Eiffel construiu uma torre de aço para uma exposição, não podia sonhar que isso terminaria sendo o símbolo de Paris, apesar do Louvre, do Arco do Triunfo, dos imponentes jardins. Uma maçã representa Nova York. Uma ponte não muito freqüentada é o símbolo de San Francisco. Também uma ponte sobre o Tejo está nos cartões postais de Lisboa. Barcelona, uma cidade cheia de coisas bem resolvidas, tem uma catedral jamais terminada (A Sagrada Família) como seu monumento mais emblemático. Em Moscou, uma praça cercada de edifícios e com um nome que já não representa o presente (Praça Vermelha, em lembrança do comunismo) é a grande referência. E daí por diante.


Talvez pensando nisso, uma cidade resolveu criar um monumento que jamais fosse o mesmo, que pudesse desaparecer toda noite e reaparecer de manhã, que a cada minuto do dia se transformasse, dependendo para isso da força do vento ou dos raios de sol. Diz a lenda que uma criança teve a idéia, justamente no momento de… fazer pipi. Quando terminou, contou a seu pai que o lugar onde moravam estaria protegido de invasores se pudesse ter uma escultura capaz de sumir antes que estes se aproximassem. O pai foi conversar com os conselheiros do local, que embora tivessem adotado o protestantismo como religião oficial e considerassem tudo que fugisse da lógica como superstição, mesmo assim decidiram seguir o conselho.


Outra história conta que, como um rio se encontrava com um lago e provocava uma corrente muito forte, ali foi construída uma represa hidroelétrica; mas quando os trabalhadores voltavam para casa e fechavam as válvulas, a pressão era muito grande, e as turbinas terminavam por estourar. Até que um engenheiro teve a idéia de colocar uma fonte no local, onde a água em excesso pudesse escapar.


Com o tempo, a engenharia resolveu o problema, e a fonte se tornou desnecessária. Mas talvez lembrando a lenda do tal menino, os habitantes decidiram por mantê-la. A cidade já possuía muitas fontes, e esta estaria no meio de um lago; o que fazer para torná-la visível?


E foi assim que o monumento mutante nasceu. Poderosas bombas foram colocadas, e hoje em dia ele é um jato de água fortíssimo, jorrando 500 litros por segundo na vertical, a 200 km por hora. Dizem, e eu já comprovei, que pode ser visto até mesmo de um avião voando a 10.000 metros. Não tem nome especial; chama-se mesmo “Jato d’Água”, símbolo da cidade de Genebra (onde não faltam esculturas de homens a cavalo, mulheres heróicas, crianças solitárias).


Uma vez perguntei a Denise, uma cientista suíça, o que ela achava do Jato D’Água.


- Nosso corpo é em quase sua totalidade inteiramente feito de água, onde passam descargas elétricas que comunicam informações. Uma destas informações é chamada de Amor, e pode interferir em todo o organismo. O amor muda o tempo todo. Penso que o símbolo de Genebra é o mais lindo monumento ao amor concebido pela arte do homem.


Não sei se o tal garoto da lenda pensou nisso, mas acho que Denise está coberta de razão.


Revista O Globo (RJ) 14/10/2007

Revista O Globo (RJ), 14/10/2007