Semana passada recebi pela internet um post do poeta e escritor amparense Marcelo Henrique que me levou à lembrança de meus anos de movimento estudantil, lá pelas décadas de 1960 e 1970 do século passado. Naquela época, tínhamos ficado impactados com a reprodução do “Batismo de Cristo”, um quadro pintado em 1710 pelo holandês Aert de Gelder, um aluno de Rembrandt.
Na tela pairavam sobre a imagem clássica do batismo de Jesus raios luminosos vindos de um Ovni esverdeado, um disco voador como já havíamos visto a reprodução de tantos outros, desde que a guerra estourara na Europa. Estaria Gelder, um artista do século XVIII, se referindo a alguma civilização à frente da nossa, a um conhecimento secreto sobre esses seres, uma força cósmica que podíamos apelidar de “Deus” e que já havia recebido diversos outros nomes em diferentes épocas e civilizações?
Marcelo Henrique nos dá como referência o belo e misterioso trecho do Evangelho de São João, capítulo 8, versículo 23, em que Jesus diz que “vós sois de baixo, eu sou de cima”. Quem sabe, Jesus Cristo seria um ser híbrido de uma espécie semelhante à nossa, porém milhares de anos à nossa frente como evolução moral e científica. Seja o que for, ele era o novo, o que não existia antes, a descoberta.
Era por aí também que queríamos pensar o Brasil e dar-lhe um papel nisso tudo. E com originalidade!
Aquele era um tempo em que o mundo estava pensando sobre seu futuro, em busca de uma ação redentora capaz de mudar tudo, de preferência para sempre. Se considerássemos a Revolução Francesa, no fim do Renascimento, como a fundadora de uma modernização da Humanidade, o capitalismo reivindicava agora a Liberdade como o bem supremo de seu regime, o único capaz de a gerar. E, por seu lado, o socialismo sequestrava a ideia de Igualdade, pela qual essa mesma Humanidade tinha se desinteressado e até ficado um pouco esquecida durante tanto tempo.
Para que o Brasil tivesse um papel original nessa disputa, só nos restava o terceiro mito da Revolução Francesa: a Fraternidade.
Em nome dela, e por fastio, apoiamos a invenção de um povo que se comportava desse jeito, sempre risonho e cordial, capaz de, por sua vez, inventar uma cultura que expressasse esse modo de estar no mundo. Durante quase toda a segunda metade do século XX, vendemos o Brasil como o país do carnaval, do futebol arte, do sorriso e do amor.
Nós erramos muito o destino do país. Ele não era nada disso, como nenhum povo do mundo pode ser isso. De todo modo, essa ilusão alimentou nossa fome de distinção, nos obrigou a um certo compromisso que acabou desaguando num mar de oportunidades perdidas. Talvez essas oportunidades fossem mesmo inviáveis, nunca saberemos. Mas elas nos revelaram em que direção podíamos ter ido e nos deram um rumo de ensaio.
No movimento estudantil, naquele momento, era muito fácil espalhar essas conclusões. Dentro de nossos corações, desejávamos muito que tudo aquilo fosse verdade. Como queríamos que, se não fosse verdade, ao menos acreditassem em nós. Ainda tínhamos o empenho juscelinista, uma conquista a que nos submetíamos até com certo prazer, a nos fazer crer naquela grandeza toda, corroborando o que diziam os sambas exaltados que as escolas criavam e cantavam para nós com entusiasmo.
Foi esse Brasil que foi ouvido pelos Senhores e que acabou permitindo a eles que nos representassem nas mesas de debates e decisões. E, em nome deles mesmos, acabou permitindo-lhes modificar, ao menos um pouco, na medida em que lhes serviu, a natureza da nação.
Foi esse Brasil inventado, essa terra que ensaiamos construir, que nos fez conquistar o muito pouco que conquistamos. Só nos resta então fazer um cálculo bem mais preciso e rigoroso, para a próxima vez.