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O meu legado dos Jogos

 

Não foi apenas uma esplêndida festa que durou quase um mês, mas um estado de espírito que tomou conta do Rio como poucas vezes se viu. Para uma cidade com tantos problemas, a Olimpíada e a Paralimpíada não foram solução, mas funcionaram como uma injeção de ânimo na autoestima do carioca, cujo ego, como se sabe, precisa ser afagado incessantemente. Ainda mais que houve todo aquele cerco dos derrotistas daqui e de fora que previam o fracasso do evento, apostando na zika e nos atos terroristas. Aconteceu uma triste ironia. Foi no país cuja imprensa advertia para os perigos que corriam os que viessem, foi justamente lá, em NY e Nova Jersey, que houve a explosão de bombas, deixando 29 pessoas feridas, às vésperas do encerramento dos nossos Jogos, que transcorreram sem qualquer incidente grave.

Tomara que se tenha o mesmo sucesso no próximo grande evento, as eleições municipais. Aliás, aplausos para Eduardo Paes, que apanhou tanto por causa desses Jogos e merecia mais reconhecimento. Olhando pelo ângulo do que fez e não pelo que deixou de fazer, ele foi um dos melhores prefeitos que o Rio já teve. Candidatos a substituí-lo há para todos os gostos, ou quase. Há evangélico, numa cidade cujo padroeiro é São Sebastião. De esquerda, há uns quatro de vários matizes, o que costuma ser a melhor maneira de não eleger nenhum. De direita não dá pra contar, porque nem todos se assumem, embora haja até representante do anticomunismo onde não tem mais comunismo.

Falta muito para que a cidade realize a utopia de ser, de fato, maravilhosa. Mas sobra esperança. Outro dia, parei no sinal ao lado de um casal de jovens e começamos um papo misturando inglês e espanhol. Holandeses, eles tinham acabado de chegar e vieram direto para a praia. Quando chegamos ao calçadão, ele abriu os braços e, dramático, dirigiu-se ao céu: “É isso Ipanema?!” A manhã não podia estar mais feia: cinza, fria, com cara de chuva. Sem saber que desculpas dar, olhei para os olhos verdes da garota e prometi, como se fosse a Maju: “É só hoje, amanhã vai dar sol”. E não é que deu um daqueles “dias de exportação” de que se falava na época de Tom e Vinicius! Acho que meus novos amigos levaram como metáfora de nosso futuro a ideia de que no Rio há sempre um dia seguinte solar, por mais cinza que seja a véspera. Foi pena não tê-los reencontrado, porque eu ia perguntar se há em holandês tradução para a palavra “piegas”, que é o legado que ficou para mim dos Jogos. Depois deles, “Ando tão à flor da pele/Que qualquer beijo de novela me faz chorar”, como na música de Zeca Baleiro.

O Globo, 21/09/2016