Aos 11 anos, obrigaram-me a decorar uma fábula de Esopo, reescrita em latim por Fedro. Até hoje a sei de cor: "Ad rivum eundem lupus et agnus...". O lobo e o cordeiro vieram ao mesmo rio. O lobo quis comer o cordeiro que estava sujando a água que pretendia beber.
O cordeiro se defende: "Estou bebendo abaixo do trecho onde você bebia, como posso sujar a sua água?". O lobo deu a sentença final: "Ano passado, seu pai sujou a água que eu bebia!". E comeu o cordeiro.
Pensei nisso quando ouvi uma douta ministra do STF, a propósito de um dos réus do mensalão, dizer que não estava julgando a história, mas o fato. Com isso, condenou e outros juízes fizeram o mesmo alguns personagens que, no passado, se destacaram na luta contra a ditadura.
Sem entrar no mérito da questão, acho que a juíza julgou certo, desconhecendo o passado dos réus e julgando apenas os delitos cometidos e denunciados por quem de direito. Evitou usar a razão histórica do lobo que acusou o pai do cordeiro de ter sujado a água que bebia. Adotou o argumento às avessas, não lembrou o passado para julgar o presente.
Além da dupla Esopo-Fedro, recorro a autor mais recente, William Shakespeare, e a uma das cenas mais famosas de sua peça "Júlio César". Após o discurso de Marco Antônio que citei em crônica da semana passada, o povo, revoltado contra o assassinato de César, promove a caça às bruxas que haviam feito parte da conspiração. Pegam um tal de Cina, que se explica: "Não sou conspirador, sou Cina, o poeta!".
O povo não o perdoa: "Então morra por seus maus versos!".
Outro argumento histórico, igual ao do lobo da fábula e que a ministra do STF não quis aplicar no caso dos dois Zés, o Dirceu e o Genoino. Justiça ou acerto de contas?