Sua estreia foi com "Making a Living" (1914). Ainda não era Carlitos. Mas depois de "The Tramp" (1915), ele contou a mesma história.
Tinha desprezo pelo processo cinematográfico. Contemporâneos seus, Ince, Griffith e Sennett marcaram o caminho que surgia. Ince enfrentando a realização ao ar livre. Griffith foi o primeiro a aproveitar aquela brincadeira de laboratório para veículo de ideias: "The Birth of a Nation" e "Intolerance".
Sennett criou o gênero que mais tarde faria o sucesso de Chaplin, cuja obra nasceria de duas vertentes: o teatro popular inglês do século 19 e do próprio Mack Sennett.
Nenhum dos grandes nomes desta fase heroica preencheu tão largo espaço dentro do tempo da nova arte. Nenhum deles transcendeu o seu veículo específico. Ficaram dentro do nicho respectivo. Chaplin escapou: o nicho era pequeno para ele.
Quando Balzac e Dickens começaram a escrever, já havia uma coisa chamada romance. Tal não ocorreu com Chaplin: ele começou a existir paralelamente a uma coisa que ia se chamar cinema.
Griffith, Ince, Sennett e outros lançavam a base de uma estética para aquela arte que nascera do laboratório dos irmãos Lumière. Veio depois da experiência (ou do acaso) de Méliès. Este seria o "fiat" do cinema: o truque, o ônibus que pode virar carro fúnebre.
Chaplin possuía uma concepção anterior ao fato cinematográfico. Para ele, era importante que a câmera expressasse o que já existia dentro dele. Os temas de Chaplin são literários: Ulisses, Dom Quixote, Swift, Dickens, Dostoiévski etc. O paradoxo ficou na resistência de Chaplin ao cinema falado. Pergunta: como a concepção literária, transposta ao cinema, poderia desprezar a palavra?
Chaplin sempre falou através de uma arte anterior: a mímica. Ele dizia que o som aniquila a beleza do silêncio. É preciso não esquecer que, ao iniciar-se no cinema, Chaplin não tinha formação alguma, a não ser a de ator do "music hall" e do circo. Mas em seu mundo interior havia ambições e iras armazenadas pela miséria de sua infância e pelo amor à vida. Aproveitou uma linguagem não gramatizada.
Nascem dos pioneiros as duas vertentes cinematográficas. De um lado, os diretores que eram cineastas e que condicionavam a sua concepção à própria expressão. A outra vertente sairia de Chaplin. Tal como Napoleão que penetrou na história pela porta da Revolução e foi, em certo sentido, a antirrevolução, Chaplin penetrou na história através do cinema e é o anticinema.
Embora sendo a antirrevolução, Napoleão espraiou-a por toda a Europa, fazendo da revolução burguesa da França uma revolução universal. Assim também Chaplin espraiou o cinema, levando-o a camadas que, sem ele, não abririam os olhos à arte que estava nascendo.
Como responsável por uma das vertentes do cinema, Chaplin teria seguidores, em diferentes escalas de talento. René Clair é o mais importante deles. Sendo mais culto que Chaplin, antecedeu-o algumas vezes. "À Nous la liberté" e "Le Dernier Milliardaire" são temas chaplinianos que o próprio Chaplin só mais tarde exploraria.
O neorrealismo italiano surgiu após a Segunda Grande Guerra como a mais importante, talvez, escola do cinema de todos os tempos. Já não era um autor, um criador isolado tentando o seu caminho. Antes do neorrealismo, o expressionismo alemão foi também um conjunto de trabalho e pesquisas, mas faltaram a este a virilidade e a autenticidade que sobraram naquele.
As influências de Chaplin no neorrealismo italiano começaram tênues. Rossellini e Visconti pouco ou nada têm de chapliniano. Mas a dupla De Sica-Zavattini cevou-se fartamente em Chaplin.
Consumada a escola, a influência de Chaplin encontraria em Fellini o seu mais ilustre discípulo. Tal como Chaplin, que veio do "music-hall" com uma mentalidade poluída por experiências anteriores, Fellini veio do jornalismo e da história em quadrinhos.
Jacques Tati é outro ponto da escola chapliniana. Ator secundário em filmes de Clair e Renoir, ex-assistente de Claude Autant-Lara, criou a série de "Monsieur Hulot", o vagabundo promovido à classe média. A influência chapliniana não é apenas temática, mas artesanal. O personagem é mudo e a construção episódica é feita à base de gags desencadeados.
As influências de Chaplin não param aí. Mas cada leitor saberá acrescentar à lista outros diretores que traem essa influência em várias gradações. Inclusive Woody Allen.
Folha de São Paulo, 20/7/2012