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O jardim dos homens

 

Queremos mais amor e um bom comportamento pessoal e político para com o país em que vivemos

Nos jardins de Deus nascem e cabem todas as flores. Menos as que Jair Bolsonaro e seus cupinchas não querem. E como eles ainda não sabem com certeza o que não querem, tentam nos fazer prisioneiros de seus delírios, como esse agora das vacinas pediátricas. Meninos e meninas de 5 a 11 anos não poderão se proteger do vírus, devem se tornar suas vítimas compulsórias. Porque, ninguém sabe.

Como também ninguém sabia, quando o homem começou a pensar melhor, a refletir sobre o mundo diante dele, incompleto e imperfeito. Era preciso mexer aqui e ali, separar as coisas de modo a evitar feras e males, tudo o que pudesse vir a ser obstáculo para a construção de uma civilização, nosso papel por aqui. Depois de um certo tempo de muito esforço, acreditamos que era possível ir mais longe — mais do que construir uma civilização que andasse junto com o resto, podíamos conquistar os jardins de Deus por nossa própria conta e risco, estabelecer as regras novas e definitivas sem negociá-las com a complexa personalidade da Natureza, transformando-a no Jardim dos Homens. Deu no que deu.

Agora é ir em frente, encarar o mundo, ver o que ainda dá para fazer. Nunca é tarde demais. Mas Bolsonaro e sua turma não querem entendimento com ninguém, em torno de nada. Eles só querem confronto e briga, ganha a guerra quem piscar primeiro. E pronto. Por isso não abrem mão de povoar o mundo, do jeito que eles quiserem.

Se não conseguiram fazer com que ainda mais morressem, além dos 650 mil abatidos inutilmente (“E daí?”), vão agora lutar pelo sacrifício das crianças. Por elas vão rezar, não sei que rezas, como heroínas de um original jeito de viver. Bolsonaro: “Eu sou Messias, mas não faço milagre”. Milagre, não. Mas meninos e meninas sem vacinas se tornarão exemplos de um modo de vida que começa pela morte. Em outubro de 2020, ele disse: “Já mandei cancelar, o presidente sou eu (?). Toda e qualquer vacina está descartada”. E em março do ano seguinte: “Chega de frescura e de mimimi. Vão ficar chorando até quando?”. Claro, homem não chora, homem só chora quando é com ele.

Ou então: homem não chora — homem grita, berra, protesta quando não é justo o que fazem com ele. E é assim que está sendo, nessa hora de firme posição dos técnicos da Anvisa, do monte de demissões de funcionários, de mais de 300 auditores entregando seus cargos, de reações de quem lida com o assunto e sabe o que está fazendo, gente que não é de brincadeira.

Não é possível que, quando tomamos conhecimento desse “orçamento secreto”, desse apuro da corrupção que não nos deixa mais saber quem roubou ou quem se beneficiou injustamente da grana pública, sejamos obrigados a acreditar que os interesses eleitorais dos deputados locais sejam mais adequados à racionalidade do regime do que as necessidades do território que representam.

Às vésperas de Natal e Réveillon, o Rio de Janeiro tem uma alta de 64% na vacinação. E 80% da população da capital fluminense está imunizada contra a Covid-19. Além de darmos limite às festas, que a felicidade e o bem estar de todos chegue com máscaras sanitárias, distanciamento social e álcool gel. (De onde será que vem o ódio contra os que agem corretamente, em benefício da população?).

Esperamos que a Natureza também colabore, pelo menos um pouco mais, não inventando novos romances entre os vírus, evitando outras cepas com novos problemas para nos defendermos delas. Queremos mais amor e um bom comportamento pessoal e político para com o país em que vivemos. Além disso, um muito feliz Natal para todo mundo, que todo mundo merece.

O Globo, 26/12/2021