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O intelectual como goleiro

 

Albert Camus, cujo cinquentenário de falecimento ocorreu ontem, era um grande escritor, autor de O Estrangeiro e de outras notáveis obras, e um intelectual atuante, conhecido pela coragem e pela independência. Nascido na Argélia, Camus formou-se em filosofia, foi por um breve período membro do Partido Comunista, emigrou para a França, participou na resistência contra a ocupação nazista e viveu aquele extraordinário, e tumultuado, período que se seguiu à II Guerra, marcado pela ascensão da esquerda, e, na França, pelo apogeu do existencialismo. Camus era amigo de Jean-Paul Sartre, mas acabaram rompendo. Sartre aderiu ao comunismo, tornou-se maoísta e justificava os excessos cometidos pelo regime com o argumento de que mais vale sujar as mãos do que ficar em cima do muro: não por acaso, é autor de uma peça chamada Les Mains Sales, As Mãos Sujas, que fala exatamente disso, dos dilemas dos intelectuais. Camus defendia a independência destes; na guerra de independência da Argélia, manifestou-se sobretudo contra o terrorismo usado pelos guerrilheiros. Posição controversa, portanto.


Mas há um detalhe curioso na vida de Camus. Na juventude, ele jogou futebol; aliás, a primeira coisa que fez, quando visitou o Brasil, foi pedir para assistir a uma partida do campeonato.


Camus foi goleiro, o que me parece muito significativo. No time, o goleiro é uma figura completamente diferente, isolada mesmo. Há 10 jogadores que formam um conjunto, trocam passes, conversam entre si; mas só há um goleiro. Ele é o único que pode usar as mãos, o que lhe dá certa superioridade: a mão é mais característica da espécie humana do que o pé, ainda que grandes jogadores tenham-no transformado no instrumento de um incrível virtuosismo.


Mas a superioridade termina aí. O goleiro é antes de tudo um solitário. E a pergunta é: como será que se sente nesta situação? O escritor alemão Peter Handke tentou encontrar a resposta em um romance, adaptado para a tela por Wim Wenders: O Medo do Goleiro Diante do Pênalti. A história, na verdade, tem pouco a ver com futebol; trata-se de um goleiro que, depois de um bate-boca com o juiz e depois de ter sido substituído pela direção do clube, comete um crime (felizmente os goleiros em geral não chegam a tanto). Mas o título, convenhamos, é sugestivo: no esporte, poucas situações devem ser tão amedrontadoras quanto essa. O pênalti é praticamente um gol certo; o goleiro só pode contar consigo mesmo e com a sorte. Agora: quem vocês acham que propôs à International Board, precursora da Fifa, a criação do pênalti, à época chamado de “a pena de morte para os goleiros”? Pois foi William McCrum, goleiro irlandês. Isto mesmo, um goleiro. Como se ele estivesse dizendo: testem-nos, e vocês vão descobrir como se vence o medo.

 

Voltando a Camus, a posição dele era desconfortável, para dizer o mínimo. Mas o escritor insistia em pensar por sua própria cabeça. E o tempo acabou lhe dando razão. Ele não chegou a viver para ver isso (faleceu precocemente num acidente de automóvel; não foi numa estrada brasileira), mas sua obra, premiada com o Nobel, permanece sempre atual.


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Depois das tragédias de Angra e Ilha Grande, uma coisa fica clara: é preciso incluir o risco de enchentes e de deslizamentos nos critérios para o licenciamento da construção de casas. O Brasil já pagou um preço alto demais por esta lacuna.


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Dalva e Herivelto começou com pé direito. Excelente reconstituição histórica, ótimo desempenho dos atores e, sobretudo, a evocação de uma época de ouro da Música Popular Brasileira.


Zero Hora (RS), 5/1/2010