Almoçava com meu amigo Roberto Feith, pedimos o que de melhor havia no restaurante cinco estrelas. Quando solicitamos a conta, milagre, o maître disse que ela já estava paga. Olhamos em volta e dei com outro amigo, médico em São Paulo, que me fizera a gentileza, a qual não pude retribuir, a não ser agradecendo com as palavras banais que usamos em circunstâncias iguais, raras para os meus lados.
Em outra ocasião, num navio que fazia a linha Gênova-Rio, havia um senhor não sei de onde que viajava com a família inteira, mulher, filhos, netos, babás, umas 15 ou 20 pessoas, que estavam sempre juntas, como um bando, um cardume.
Certa noite, fui ao teatro a bordo ver um mágico, bem vagabundo, desses que gosto, que não trazem equipamentos complicados, que estraçalham com serras e punhais a mulher boazuda que os ajuda, levitam no palco, fazem o diabo. Prefiro os artesanais, que mostram os braços dizendo: "Nada nesta manga, nada nesta outra manga" -e delas tiram baralhos inteiros, lenços que se dão laços sozinhos, pombas brancas e eventualmente um coelho de verdade.
Era um desses, e não podia perdê-lo. Fui cedo para o teatro e sentei no melhor lugar quando o tal senhor apareceu com sua tribo. Notei que desejavam sentar, os 15 ou 20, juntos e nos melhores lugares, não tive outro jeito. Resignado, levantei-me, logo todos se instalaram. Nem me agradeceram.
Na noite seguinte, jantava modestamente quando o maître veio com uma garrafa de Dom Pérignon e duas taças. Assombrado, perguntei quem a pedira. O maître indicou a enorme mesa onde a tribo devorava o que me pareceu um banquete. Trincando uma perna de carneiro, guardanapo que parecia um babador pendurado no pescoço, o tal senhor fez apenas um aceno, acusando-se como autor da oferta.
Quando comecei a lembrar as duas gentilezas recebidas, eu tinha alguma coisa para comentar.
Sinceramente, esqueci.
Folha de São Paulo (São Paulo) 07/05/2005