Foi há muito tempo, ele estava bêbado, das poucas vezes em que o vira bêbado, assumidamente bêbado.
Houve época em que bebia muito, mas nunca exagerava, mesmo quando exagerava, tinha um truque (era cheio de truques) para dar a impressão de que continuava sóbrio, apenas mais lúcido do que o habitual. Quando bebia, ficava insuportavelmente lógico.
No início de uma noite de verão, olhando as luzes de Praiano, no pátio do Hotel San Pietro, em Positano, ele explicaria como se caçavam as baleias-assassinas, o canhão que atirava o arpão, a corda que ia se desenrolando, serpente e algema, o ferro penetrando na carne da baleia pela fenda aberta em seu corpo formidável.
Não perceberia que o oceano inteiro, que até então lhe pertencera, teria agora o tamanho de sua chaga; ela fugia com a fúria de suas colossais nadadeiras e sua ira era tão violenta que logo se afastava e se afastava muito, sem saber que, além do ferro e da corda-algema, havia dois olhos vivos do homem que a cobiçava e tinha a certeza que ela seria dele. E por saber que a baleia-assassina estava marcada, o homem adivinhava o que ela estaria sentindo, julgando-se livre, senhora das águas todas. Depois era a fadiga, a derrota da fera que trazia em sua carne o emblema vermelho da fenda ensanguentada.
Ela chegava, afinal, mansamente, acreditando que estava apenas cansada de lutar. Encostava o corpo no casco enferrujado do navio –aquela ferrugem cor de ouro velho que o sangue dela manchava. Teria forças para lutar, seu enorme corpo ainda estava quente, boiando na água que o próprio sangue fazia morna. Agora ela sabia que o seu destino –ela, senhora das águas, assassina dos mares– era ser possuída pela gula do homem que a desejara.
Mas seria livre no oceano que lhe sobrara.