Foi com muita tristeza que recebemos a notícia da morte do escritor Maurice Druon, ex-secretário perpétuo da Academia Francesa. Foi nessa honrosa condição que ele esteve no Rio de Janeiro, em 1998, para participar de um projeto de maior aproximação dos povos latinos. Numa sessão memorável da Academia Brasileira de Letras, que então presidíamos, estiveram presentes os presidentes do Brasil, da França, do México e de Portugal.
Nessa ocasião, Druon, usando a palavra, lançou a semente da Academia da Latinidade, que ele preconizava seria uma necessidade para fortalecer os nossos laços culturais. A ideia foi prontamente acolhida pelos imortais brasileiros e a nova instituição criou o Prêmio da Latinidade (parceria das Academias da França e do Brasil). O primeiro escritor a ser homenageado foi o mexicano Carlos Fuentes, no júri realizado em Paris, com a participação igualitária de imortais das Academias envolvidas. Foi uma discussão muito rica. Temos lembrança de dois nomes que nos fazem muita falta: Celso Furtado e Sérgio Correia da Costa.
Vou-lhes confessar um fato que mostra o apreço de Druon pelo Brasil, pátria de Odorico Mendes, poeta maranhense que era seu bisavô. No intervalo da acalorada discussão, em que surgiram outros nomes para merecer a honraria, Druon, de descendência judaica e que por isso mesmo me chamava de “primo”, puxou-me pelo braço até a biblioteca da Academia Francesa e me perguntou de chofre: “O que é que vocês querem? O que for a sugestão da presidência da ABL, faço minha equipe votar junto.” Citei a conveniência de homenagear uma figura exemplar da latinidade (Carlos Fuentes), que tinha acabado de escrever um antológico trabalho sobre o maior dos nossos escritores: “Machado de la Mancha”, o título sugestivo que encontrou para ligar figuras emblemáticas da cultura universal: Miguel de Cervantes (D. Quixote) e Machado de Assis.
Ele concordou, com um piscar de olhos, e voltamos para a sessão. Deixou correr a discussão e, de repente, pediu a palavra e com a respeitabilidade do cargo e mais os cabelos brancos impressionantes, sugeriu o nome de Carlos Fuentes, logo aplaudido por mim, Eduardo Portella e Nélida Piñon. Acabou-se ali qualquer divergência e, com a aprovação do nome, procurei dar a notícia ao vencedor, que estava em sua cidade natal. Foi uma festa só!
Druon escreveu uma obra-prima consagradora: “O menino do dedo verde”. Foi uma das suas raras incursões no mundo da literatura infantil, mas para se tornar um bestseller internacional, inclusive no Brasil, onde o livro foi acolhido pela Editora José Olympio, que teve o bom senso de entregar a tradução ao acadêmico D. Marcos Barbosa, figura proeminente do Mosteiro de São Bento e renomado poeta. Foi uma extraordinária defesa do meio ambiente, na história que transformava em flores tudo aquilo que tocava. O livro, com o seu personagem Tistou, tem sido uma bandeira ecológica de primeira ordem. Nele, Maurice Druon sobreviverá.
Jornal do Commercio (RJ), 15/5/2009