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O grande homem

 

De poucas palavras e muitas convicções, quando dava um bom-dia não era um cumprimento, era uma declaração de princípios. Quais, ninguém sabia, nem mesmo ele, mas eram princípios que lhe valeram a fama de sábio entre os sábios e de justo entre os justos.


Suspeitava-se que estudara na Europa e correspondia-se com Einstein, tivera um caso com Greta Garbo -alguns chegavam a afirmar que o caso fora com Pola Negri, mas o rigor histórico desmentiria a lenda por motivos cronológicos. De qualquer forma, fora ditoso entre as mulheres daqui e d'além-mar.


Não fazia vida social, mas nada acontecia sem que ele chegasse. Nos velórios, era o último a aparecer. Dirigia-se à viúva, solene, hierático, apertava-lhe a mão e a olhava fundo nos olhos, ela desabava em seus ombros. Todos murmuravam: "Que caráter!".


Ao certo, sabia-se que chegara ao grau 33 da Maçonaria e a Cavalheiro da Ordem Eqüestre de São Silvestre, da qual seria Preboste Emérito, tendo recebido condecorações de vários países e instituições, inclusive a comenda de Afonso 13, o Sábio. Devolveu a Grã-Cruz do Mérito Fascista quando Mussolini invadiu a Abissínia, mas foi recompensado com a Medalha de Esforço de Guerra pelo rei Jorge 5º, da Inglaterra.


Estava escrevendo um tratado sobre as Guerras Púnicas e suas Influências na Geopolítica do Mediterrâneo, do qual já havia escrito 1.254 páginas, mas precisava escrever outras tantas, pois chegara a Amílcar, mas ainda estava longe de Aníbal.


Sua mulher, dona Eleonora Chagas e Mello, tampouco desperdiçava palavras. As únicas de que se tem notícia foi ao morrer, de repente, numa tarde de sábado. Levou a mão ao peito e disse: "Ai, Horácio!".


O diabo é que ele não se chamava Horácio, mas Alberico. O pai era leitor de Tácito, Tito Lívio e Suetônio, dava aos filhos nomes de ilustres patrícios romanos.


Fiel à herança paterna, rosnavam que tivera um filho bastardo ao qual dera o nome de Catilina.




Folha de São Paulo (São Paulo) 10/12/2005

Folha de São Paulo (São Paulo), 10/12/2005