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O golpe exposto

 

A cada minuta de decreto que se descobre nos esconderijos dos principais assessores do ex-presidente Jair Bolsonaro, mais fica claro que havia um golpe sendo tramado nos bastidores do governo, muito além das bravatas públicas que visavam a criar um clima institucional instável. O julgamento de Bolsonaro pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no final do mês, que poderá torná-lo inelegível, será influenciado por esses novos fatos.

O celular do ex-chefe de gabinete presidencial tenente-coronel Mauro Cid continha diversos rascunhos de decretos de convocação das Forças Armadas para garantir “a lei e a ordem”. A partir daí, tudo poderia acontecer. Anteriormente, já fora encontrado na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres um decreto de “estado de emergência”, que ele alega não ter a menor importância.

Teria sido alguém, não identificado, que sugerira, sem ter sido solicitado. Pela narrativa do governo de então, todo mundo oferecia planos golpistas a todo mundo, e ninguém sabe por que isso acontecia. A cada nova descoberta, cresce a certeza de que, se Bolsonaro tivesse sido reeleito, estaríamos hoje mais próximos de um golpe do que nunca, pois, assim como Lula está convencido de que ganhou a eleição por seus belos olhos, Bolsonaro teria muito mais razão para isso, já que o Congresso eleito majoritariamente pende para seu lado.

Se Lula tem problemas na relação com o Centrão e o presidente da Câmara, Arthur Lira, Bolsonaro teria um trânsito mais fácil com esse grupo político que hoje domina a política brasileira, pela proximidade ideológica e pela benevolência com que entregou ao grupo o orçamento. Por isso não importa, para os que se incomodam com isso, que o governo eleito seja de esquerda, pois ele está sujeito ao escrutínio da opinião pública e do próprio Congresso.

O fundamental é que a alternância partidária pode limitar um mau governo, e sem dúvida Lula tem menos condições de tentar um golpe do que Bolsonaro teria na atual situação política. O grande problema brasileiro, e isso já vem há alguns anos, é estar calcificada a divisão política entre lulistas e antilulistas, o que não permite espaço para que surjam alternativas novas e, ao mesmo tempo, abre caminho para negociações partidárias nada republicanas.

Também não é admissível conviver com uma atitude opressora por parte da maioria do Congresso, que se aproveita da situação momentânea para impor ao governo eleito uma pauta que não é a sua. Tomemos a questão ambiental, fundamental para o futuro do país. Não é preciso ser de esquerda para entender a importância da preservação da Amazônia, esse deveria ser um compromisso do Estado brasileiro, não de governo. Não há ideologia em salvar a humanidade de uma catástrofe que já se apresenta no nosso cotidiano: enchentes, desabamentos, descontrole do sistema de chuvas.

A visão imediatista de parte politicamente ponderável do agronegócio leva a que sejam tomadas medidas que, a longo prazo, causarão prejuízos maiores ao desenvolvimento do país, como a exploração de petróleo na foz do Amazonas. Ou à ganância com que se cobiçam as terras indígenas, num projeto extrativista que não inclui o futuro na equação.

O programa anunciado pelo Ministério do Meio Ambiente é um revigoramento do compromisso de impedir a degradação ambiental e avançar em políticas públicas modernizantes, à base de energias renováveis e limpas. Mas é incoerente com esse compromisso o projeto de incentivar a venda de automóveis, caminhões e ônibus.

São equívocos repetidos, pois as greves dos caminhoneiros, além da manipulação político-eleitoral, deveram-se muito à falta de demanda por esse tipo de transporte, estimulado por um projeto que financiou mais caminhões que o necessário ao país. Agora teremos outro programa desse tipo, confirmando que o país gosta de cometer os mesmos erros.

O Globo, 08/06/2023