Sempre à busca, por profissão e sina, de novidades e maravilhas que lhe possam atrair fregueses e assim garantir seu laborioso e incerto sustento, o escritor, em dias de sorte como hoje, regozija-se por haver achado uma notícia que talvez ainda não tenha chegado à meia dúzia de três ou quatro que o leem. Em si, ela já não causará o impacto que teria há algum tempo, mas enseja alguma meditação sobre o nosso futuro. Trata-se da criação de, digamos, um novo conceito gastronômico, qual seja o de que é bom comer rodeado de garçonetes esvoaçantes, que circulam de patins, usando shorts curtinhos, com os umbigos à mostra até quase lá embaixo e, principalmente, decotes panorâmicos. Se não estiverem servindo às mesas, fazem demonstrações de bambolê e dão cambalhotas em camas elásticas. Apressadamente, o jovem afoito aprovará, mas convém recordar que almoçar dessa forma pode suscitar problemas, pois não são nem um nem dois os casos narrados pelo Brasil afora de mortes pela temida congestão, ocorridas quando o imprudente finado comeu mocotó e foi aos dares e tomares com alguma senhora, ou teve os chamados baixos instintos vigorosamente incitados por visões provocantes.
Sim, mas corro o risco de incorrer novamente no velho vício da digressão e não cuidarei desse problema da congestão, até porque a Anvisa ou similar terminará baixando normas para o consumo de mocotó, tornando obrigatório o registro no Cadastro Nacional de Comedores de Mocotó e o pagamento da taxa de mocotó. Atenho-me ao novo conceito anunciado, para o qual já existe um neologismo em inglês, a palavra breastaurant. É um trocadilho difícil de traduzir e literalmente seria, perdão, "peitorante". Mais diretamente, um restaurante onde o frequentador, além de comer, fica olhando para os peitos das garçonetes. Mas sem tocar neles, é claro. Americano é muito rigoroso quanto à moral e os bons costumes, de maneira que as garçonetes são treinadas para resistir a qualquer paquera. É só para olhar, o ambiente é familiar.
A principal cadeia americana de breastaurants está para se instalar no Brasil, onde talvez a experiência venha a indicar ser mais negócio estabelecer-se uma franquia de bundorantes, mas isso deve ser uma complexa questão mercadológica, acima de meu alcance. Vai demorar, porque americano é doido por peito e, quando fui estudante lá, uma das moças de maior cartaz no campus não devia conseguir ver a ponta dos pés seguramente desde os 14 anos. Aliás, as moças desfilavam de bicicleta com as saias adejando à altura da cabeça, mas quase todas sem decote e usando mangas pelo menos até o meio dos braços. Uma vez, não faz tanto tempo assim, fui fazer uma conferência numa universidade e o auditório era desses em que o palestrante fica diversos níveis abaixo no nível dos assentos, como num estádio. Fiquei sem saber para onde olhar, depois que várias moças, todas com blusas recatadas e quase todas de saia, se sentaram bem à vontade na minha frente - dificulta um pouco a concentração.
Além desse aspecto, talvez os breastaurants brasileiros venham a ser vítimas de um fenômeno que acredito universal. É que todo mundo, ao abancar-se num lugar assim, finge que está à vontade, disfarça o olhar, faz ares distraídos e aparenta não ter nenhum interesse mais duradouro pelo que vai em torno. Um dia me levaram para almoçar no Playboy Club de Chicago. As garçonetes eram coelhinhas, envergando trajes ousadíssimos para a época, corpetes cavados e, claro, decotes modelo Grand Canyon, que de vez em quando deixavam entrever um biquinho de peito ou outro. Mas os frequentadores, de paletó e gravata e com pinta de homens de negócios, faziam de conta que não davam importância às coelhinhas, a não ser para falar sobre seus pedidos. Agindo em Roma como os romanos, falsifiquei a mesma postura blasé, com exceção de um momento ou outro, como quando a garçonete punha alguma coisa em meu prato e se curvava a meu lado esquerdo. Era um pouco difícil afetar indiferença com meio peito enfiado na orelha, mas acho que consegui, pelo menos ninguém se queixou.
Não sei se a moda vai pegar aqui. Se pegar, tenho certeza de que será com adaptações ditadas pela renomada criatividade brasileira. Nesse departamento de peitos, creio que o provável é que a versão nacional opte por um caminho mais condizente com nossa imagem casual, tropical, sensual e safadal. Aqui vai ser logo topless, nada dessa besteira de blusa decotada, que só faz atrapalhar e gasta pano. Creio que, por enquanto, o restaurante cujas garçonetes atendam de peito de fora poderá ser acusado de ultraje ao pudor. Mas isso não dura muito, pois já há precedentes em outros países. No Canadá, por exemplo, onde o verão cai num domingo e sair sem camisa é um evento raro e precioso. Se bem me lembro, uma canadense alegou num tribunal que tinha o mesmo direito de sair sem camisa que os homens e um juiz decidiu que ela estava certa. Gostamos muito de ser adiantados e, se alguma brasileira usar o mesmo argumento, não é impossível que venha a ganhar a causa.
Diante de tal quadro, o futuro dos peitos, tão prestigiados até o passado recente, parece ser a banalização e em breve, com todas as mulheres de peito de fora, ninguém mais dará atenção a eles. Comentaremos os peitos das passantes como quem hoje comenta os olhos ou cabelos. Talvez se criem até linhas de cosméticos especiais com nomes em inglês, como é da prática - Natty Nipple, Tit for Tat, Boobs 'n' Belly, coisas assim. E, na avidez insaciável por novos horizontes, chegará o dia em que dispensaremos também a parte de baixo da roupa e sutiãs, calcinhas e vestidos serão vendidos em sex shops, para os tarados e taradas que desejarem continuar a ter vida sexual.
O Globo, 9/6/2013