Reiteradamente preconizada, mas lentamente materializada, a reforma política é tema que raramente deixou de figurar na agenda política do país. Não me refiro só à agenda atual, mas também às dos séculos 20 e 19, em razão do divórcio entre poder e sociedade - "principal fonte de instabilidade política que se manifesta entre nós quase permanentemente, e não apenas nos momentos de transição do poder", conforme aponta o historiador José Honório Rodrigues na obra Conciliação e reforma no Brasil. A diferença na circunstância de que a expressão reforma política, hoje tão cediça, no século 19, com maior propriedade, se designava reforma eleitoral.
O que assistimos hoje, em que a reforma política, restrita a mudanças eleitorais, parece ser antídoto para todos os males, já estava diagnosticado há mais de 40 anos pelo autor de Conciliação e reformas no Brasil. Lembremo-nos de que a agenda política que precedeu o movimento militar de 1964 se cingia às "Reformas de base" - exatamente aquelas com as quais nos defrontamos - tidas como necessárias, indispensáveis e inadiáveis para que o Brasil possa consolidar a democracia e crescer a taxas mais altas.
Embora entenda seja necessária a mudança do sistema eleitoral brasileiro, para ensejar o fortalecimento dos partidos políticos, venho insistindo, antes mesmo da realização do plebiscito de 21 de abril de 1993, no qual o povo se pronunciou pela manutenção do regime republicano e do sistema presidencialista, que a reforma política exige um espectro bem mais amplo de medidas. A meu juízo, a pauta das reformas deve abranger grande parte do universo dos diferentes componentes do nosso sistema político. Daí sempre ter dado preferência ao termo reforma institucional, com o propósito de contemplar não só, como até agora, a opção entre os sistemas majoritário, proporcional ou misto.
Entendo que questões referentes à organização federativa, ao relacionamento entre os poderes do Estado, e à reforma legislativa, devem integrar a agenda política, com a mesma intensidade com que se defendem mudanças no sistema eleitoral. A reforma legislativa, por exemplo, é pressuposto da reforma do Congresso Nacional e da modernização e simplificação da legislação brasileira. Trata-se de objetivo para se conseguir a consolidação legislativa prevista no artigo 59 da Constituição de 1988 e já regulamentada pelas Leis Complementares de nºs 95, de 26 de fevereiro de 1998, e 107, de 26 de abril de 2001, mas até hoje sequer iniciada.
Hoje, é vezo generalizado referirmo-nos à reforma política, tomando esse termo como sinônimo de reforma eleitoral e das questões adjetivas dela decorrentes. Se observarmos as hipóteses de trabalho sobre as quais o Congresso tomará suas decisões, caso o faça na atual Legislatura, como seria desejável, é possível concluir que ela se circunscreverá a alguns poucos temas que mais despertam o interesse da opinião pública. Nas propostas aprovadas pelo Senado Federal e em tramitação na Câmara dos Deputados - por sinal há tempos em condições de serem submetidas à deliberação do Plenário - os temas relevantes cingem-se a três mudanças: 1) manutenção do sistema proporcional para eleição dos Deputados; matéria constitucional (art. 45), adotando-se a modalidade do voto em listas fechadas e bloqueadas; 2) fidelidade partidária e 3) adoção do financiamento público de campanhas.
O financiamento público não é conseqüência do sistema de listas fechadas e bloqueadas. Ao contrário, o voto em lista é requisito para viabilizar o financiamento público impraticável com o modelo em vigor de listas abertas. Como repartir R$ 880 milhões de recursos públicos nas eleições municipais, entre 340 mil candidatos a vereador e mais de 15 mil a prefeito, número do último pleito de 2004? A proposta do sistema de listas visa, exatamente, a tornar possível a distribuição do financiamento. Não entre os candidatos, o que seria inviável, mas entre os partidos, aos quais caberia a condução das campanhas eleitorais.
Resta considerar, por fim, que as alterações projetadas podem contribuir para aprimorar este ou aquele aspecto das chamadas reformas institucionais. Mas, seguramente, estarão ainda longe de solucionar o contencioso que constitui uma ampla, necessária e recomendável reforma. Esse, sim, o nosso maior desafio - o de vertebrar duradouras instituições.
As reformas são impostergáveis para que de uma democracia procedimental passemos para uma democracia decisional, capaz de assegurar regras claras indispensáveis ao jogo político compatível com a estabilidade institucional e a segurança jurídica que a nação reclama.
Jornal do Brasil (RJ) 23/2/2008