Apesar de ter passado por vários episódios de saúde, desde o sarampo da infância a múltiplas complicações do ofício de viver, falar sobre medicina é temeridade e pretensão. Mas vamos lá. A crônica fica valendo como um depoimento pessoal, testemunho de alguém que com certo exagero é obrigado a apelar para a classe médica na condição ambígua de paciente, ou seja, dotado de pouca saúde e muita paciência.
A primeira e mais dramática constatação é a dicotomia entre a ciência e a prática, o lado conceitual e o operacional. No primeiro, os avanços foram e continuam notáveis. Laboratórios, institutos de pesquisa, até mesmo governos de países desenvolvidos em mentalidade e pecúnia investem no setor e os resultados pelo menos aos olhos de um leigo revelam-se maravilhosos. Aplicando uma escala geométrica às pesquisas e descobertas, podemos suspeitar que um dia será descoberto o elixir não apenas da longa vida, mas de toda a vida.
Na parte operacional, contudo, a escala geométrica também funciona, mas na contramão. Os serviços médicos ampliam progressivamente o fosso que os separam do progresso cientifico e tecnológico.
Para ficarmos no exemplo brasileiro, temos duas tenazes que nos rebaixam a níveis dos mais infames em termos de atendimento clínico e hospitalar. Na iniciativa privada, a população de renda média para cima foi forçada a cair na arapuca dos planos assistenciais, que só raramente funcionam, até mesmo em casos de medicina massiva, como partos, pequenas cirurgias, exames de rotina etc. Nunca é demais lembrar que a maioria das queixas no Procon é relativa aos planos de saúde.
Pior mesmo é a medicina estatal. Não é à toa que nas campanhas eleitorais tanto o governo como a oposição admitem a falência hospitalar.
Folha de S. Paulo (RJ), 7/5/2013