De repente, apareceu em Cabo Frio um personagem novo -não exatamente novo, mas inesperado. E não se tratava apenas de uma pessoa nova e inesperada, mas de um ofício igualmente novo e inesperado.
No centro da cidade, junto ao canal que leva as águas da lagoa para o oceano, apareceu um negro, fino e comprido como um pente, que estendeu na calçada um plástico azulado e, em cima dele, fazia uma porção de coisas com uma porção de outras coisas.
De uma lata de marmelada Colombo, retangular e fina, fazia a caçamba de um caminhão, encaixando nela as peças suplementares de madeira que lascava com um facão que nenhum cabo-friense havia visto maior e mais eficiente.
Usando ainda outra lata de marmelada, mas com um cabo de plástico e quatro ou cinco fios de arame estendidos, fazia um cavaquinho que produzia um som abominável que enfeitiçava crianças à medida que irritava os pais, que acabavam comprando o brinquedo.
Outras peças também artesanais e malfeitas faziam sucesso, como barquinhos cortados de pita, uma palmeira comum na região, com caule mole e macio, que flutuava bem. Pintados em cores berrantes, na maioria das vezes em vermelho e azul, os barquinhos eram disputados, primeiramente pelas crianças, depois pelos veranistas, que os levavam para casa como decoração marinha e local. Não havia pasmo por quem fabricava aquelas coisas. Pasmo havia por quem as comprava.
Um forasteiro é luxo exclusivo de cidades pequenas, de gente que tem tempo e modo de saber quem é do lugar e quem não é.
Um dia, Cabo Frio amanheceu grande, cheia de cariocas e de mineiros, mas vazia de forasteiros. Foi pior? Foi melhor? Não sei.
Sempre fui um forasteiro em qualquer lugar.
Folha de São Paulo (São Paulo) 22/06/2006