A eleição para a Prefeitura de São Paulo está tão estranha que uma eventual ida do candidato Pablo Marçal ao segundo turno poderá abrir “as portas do inferno” no campo da direita. Se for contra o psolista Guilherme Boulos, deverá unir a direita e colocar em situação delicada tanto o ex-presidente Jair Bolsonaro quanto o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, principal apoiador do prefeito Ricardo Nunes.
Vencendo a eleição, Marçal passará a ser o candidato da direita à Presidência da República, queira Bolsonaro ou não. A estratégia do ex-presidente — jogar até o último momento com a esperança de que possa vir a ser absolvido pela Justiça para concorrer à Presidência, como fez Lula em 2018 — irá por água abaixo. A direita já terá seu candidato, que, para chegar à Prefeitura paulistana, terá convencido a maioria dos direitistas de que hoje é ele quem pode derrotar Lula e o PT, não mais Bolsonaro.
Ainda que não vença a eleição — não há sinal definitivo de uma onda “marçalista” nestes próximos dias, só indícios incipientes —, Marçal já é uma pedra no sapato dos Bolsonaros e deverá tentar permanecer como novo líder da direita, mesmo enfrentando diretamente o ex-presidente — o que poderia prejudicar a direita nacional. Sua influência no país todo ainda é pequena, mas há sinais de apoio noutros estados, inclusive no Rio, terra onde nasceu o bolsonarismo.
A escolha de Bolsonaro por Ricardo Nunes, com base na máquina política do prefeito, levou-o a ser visto como mais um político tradicional, que se entregou às negociações envolvendo interesses diversos. Muitos dos liberais e conservadores que apoiam (ou apoiavam?) Bolsonaro hoje acham que Marçal é mais eficaz no desmantelamento da máquina política tradicional. Não que necessariamente gostem de seu jeito de ser, mas admiram seu destemor para combater os “comunistas” que mais uma vez estão no poder, agora representados por Boulos, do PSOL, na corrida à Prefeitura de São Paulo. São semelhantes aos centristas que votaram em Lula para derrotar Bolsonaro em 2022. Mesmo que achem que ele possa ser corrupto e use truques baixos para enganar seus seguidores, consideram que vale a pena apoiá-lo pela firmeza de suas posições, pela valentia que demonstra ao enfrentar Boulos.
Nunes, em contrapartida, é desprezado por esses eleitores como representante da velha política desonesta e ineficaz. Eles querem derrotar os petistas não por meio da máquina pública, mas com a virulência das atitudes de desmonte dessa máquina por dentro. E Marçal parece ter a coragem para isso, como Bolsonaro parecia em 2018.
Na visão dos bolsonaristas, toda a arquitetura de mudanças promovida por Bolsonaro vem sendo desmontada pelo governo petista, e o trabalho de “destruição criativa” terá de ser retomado num eventual próximo governo direitista. O protagonismo de Marçal nesta campanha eleitoral desmonta a estratégia que vem sendo calculada há tempos em dois campos direitistas.
De um lado, o presidente do PSD, Gilberto Kassab, sempre defendeu que Tarcísio de Freitas se candidate à reeleição ao governo de São Paulo, para disputar a eleição presidencial só em 2030. Seus inimigos dizem que ele quer ser vice, para assumir o governo quando Tarcísio se lançar candidato. Outro lado defende que a direita concorra com um dos governadores: Tarcísio, de São Paulo; Caiado, de Goiás; Zema, de Minas; ou Ratinho Júnior, do Paraná — nessa ordem de preferência. Quem tiver mais condições ganha o apoio dos demais.
O fator Marçal entra nessa equação como um divisor. Todos, hoje, concordam em que apenas Tarcísio tem condições de derrotar Lula. Se o presidente atual não tiver condições de concorrer, porém, a disputa seria mais fácil, pois acreditam que, sem Lula, o PT não tem chance de vencer a direita unida. Isso se a direita se unir em torno de algum candidato. Se Bolsonaro não se tornar elegível até lá, Marçal pretende se apresentar. Pode ser, porém, que um desses governadores não aceite se submeter a ele, como Tarcísio. Ele disse que, num segundo turno entre Marçal e Boulos, o melhor seria votar nulo.