O atual governo brasileiro mirou-se no espelho do governo Trump ainda que este só lhe devolvesse uma imagem distorcida e ridícula, como num espelho de circo. O que, aliás, é o caso.
A vitória de Joe Biden é um dia que entra na História como a vitória da democracia contra um de seus mais perigosos inimigos, o líder do populismo regressivo que está grassando no mundo. Para nós, essa vitória será plena de lições e consequências.
Os democratas derrubaram a fúria autoritária de Trump, cuja virulência e cujas mentiras denunciando fraudes no processo eleitoral valeram-lhe, fato inédito, ser retirado do ar pelas três maiores redes de televisão aberta do país. Um desmentido ao vivo de um mentiroso, pela presença viva da democracia.
Os mentirosos pisam na armadilha de acreditar nas próprias mentiras. A democracia americana existe. E funcionou. A brasileira também existe. Primeira lição para o governo brasileiro.
Biden afirmou que não existem estados azuis e vermelhos, existem apenas os Estados Unidos da América. Uma promessa de reconciliação em um país partido ao meio. O contrário das arengas guerreiras de Trump.
Costurar um tecido nacional numa sociedade esgarçada é o caminho para reconstruir um país em que o presidente tratou seus opositores como inimigos internos. Uma tarefa difícil e longa, disse Biden. Outra lição para o governo brasileiro, que, imitando Trump, aprofunda as divisões e semeia o conflito como estratégia de excitar seus apoiadores.
No espelho da diplomacia de Trump, o chanceler brasileiro inspirou-se para suas declarações delirantes. Acusado de fazer do Brasil um país pária, declarou que seria um pária orgulhoso de sê-lo. Na certa contando com as costas quentes que lhe dava o alinhamento com a política externa do governo Trump.
Com Biden, mudanças climáticas, o destino da Amazônia, direitos das mulheres e igualdade racial voltam à agenda americana. Com o espelho de Trump quebrado, quem será pária? O Brasil? Não creio. Ou será o atual chanceler?
O Globo, 09/11/2020