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O escritor Constâncio Alves

 

Quando me elegi para a Academia cuidei em ir ali, ver sala por sala, tentar ouvir vozes, sentir os odores, tudo que é necessário a um conhecimento a se completar. Chegando à Casa, corri os olhos pelo painel dos acadêmicos. Estava lá a imagem de Constâncio Alves (1862-1933), um dos primeiros ocupantes da Cadeira 26.


Estudando esse meu antecessor, para o discurso de posse, findei por juntar-me a quantos se encantam do seu estilo, do seu jeito sincero de falar verdades, do seu talento para a boutade, de que também foi mestre outro ocupante da minha cadeira, o compadre Mauro Mota. Quando digo ''minha cadeira'', invoco a razão mais profunda. Minha cadeira, antes de tudo, porque pertenço a ela e não ela a mim.


Pouco conhecia de Constâncio Alves, da sua obra, embora soubesse o essencial. Estava informado de sua relação orgânica com o livro. Sua pele como que se alongava nos livros da importante biblioteca particular e como que se espichava entre os livros da Biblioteca Nacional. Ali se fez empregado, seduzido por um tipo de ação em que se contaminasse ainda mais de livros, de muitos livros. Pensei: deve ter sido um homem alto, com ar dominador, espécie de galã mexicano sob o qual o palco nunca sobra. A cabeleira farta, insinuando ousadias.


Tudo errado.


Constâncio Alves era retraído, tímido. Pobreza, surdez e tuberculose marcaram os últimos tempos do notável baiano, ''humorista triste'', no dizer de Medeiros de Albuquerque. Às quintas-feiras estava nas reuniões da Academia. Pequeno, o fraque preto parecia muito maior que ele.


Entendo-o melhor pelo retrato inexato que fiz de sua imagem de homem. O pequeno é grande, o encolhido é espichado, o gago é fluente - ainda que Silvio Romero tenha dito que seu estilo também era gago -, o tímido faz humorismo sadio nas páginas do Jornal do Commercio, às quartas-feiras, quando fugia dos assuntos de política em que era pautado pela redação.


Outro merecimento seu: dizia, como médico, que sua medicina era inocente. ''Nunca receitara, nunca matara ninguém'', mas dela obtivera uma experiência fisiológica, a de marcar nos amplos discursos, com lápis azul, as pausas respiratórias, evitando tropeços prosódicos.


Afrânio Peixoto conta que levá-lo à Academia foi um esforço danado. Dele, de Mário de Alencar, de outros mais. Parece que o jetom, a quem faltavam recursos, pode ter sido objeto de sedução.


Enfileirado à tese machadiana um tanto contrária à de Nabuco, nunca pôde admitir que a ''Academia'' fosse senão de ''Letras'', batendo a porta aos meros expoentes poderosos. Em relação à presença feminina, era todo radical. Que criassem uma Academia só de mulheres.


Não conhecia, claro, como é tão bom e tão honroso ter a companhia de uma Nélida Piñon, de uma Lygia Fagundes Telles, de uma Zélia Gattai, de uma Ana Maria Machado.


O escritor esteve presente no jornalista, inclusive para a polêmica, exponencial no enfrentamento duro a Carlos de Laet. Chamou-o de ''jararaca de pátio de igreja''. Escritor na crônica de jornal, na forma de panegírico de santos e estadistas; para a nota do dia-a-dia do mundanismo. Crônicas por fim reunidas em Figuras, livro de Iluminuras e saudades.


Atento aos seus valores, conta Lucio de Mendonça, Constâncio Alves integrou com Nabuco, Taunay, Rui, Patrocínio, Laet, o grupo dos que não aceitariam, por monarquistas ou por dissidentes da política do tempo, uma nomeação oficial como se chegou a conceber, em Academia como instituição de criação governamental. Dessa reação partiu a concepção, por outros tantos elementos enriquecida, da Academia na forma em que a temos.


Jornal do Brasil (RJ) 18/8/2004