Chegamos a uma situação em que, quando algum cidadão reage a um assalto e prende ou mata um bandido que tentou assaltá-lo, vibramos como se fosse nosso herói. Por outro lado, quando vemos nas redes sociais um assalto bem-sucedido, sofremos com o cidadão, como se nós estivéssemos naquele vídeo.
Não é possível viver assim, atrás das grades nos edifícios, em carros blindados quando se tem possibilidade de ter um. A escalada da violência só faz aumentar, e adiamos as providências há pelo menos 20 anos, quando a criminalidade já exigia uma Secretaria Extraordinária de Segurança Pública, criada por Lula em sua primeira presidência, em 2003.
A disputa do Estado democrático com o Estado bandido, com as milícias, os comandos de criminosos de diversas facções, é uma questão-chave de que o Brasil não cuida há muitos anos. A crise no Equador voltou a nos avisar que o crime está cada vez mais organizado, enquanto o Estado falha na sua capacidade de enfrentá-lo.
O temor que tínhamos de nos tornar uma Colômbia, onde o narcotráfico chegou a dominar o país todo, com representantes nos Três Poderes, volta a nos assombrar mais ainda com a derrocada do Equador. Foi muito difícil acabar com esse domínio lá, foi preciso ajuda maciça dos Estados Unidos, com dinheiro e forças militares. E o problema não foi resolvido, apenas amenizado. É uma situação a que não podemos chegar.
Mais uma vez a realidade dramática do domínio de territórios pelo crime organizado nos afronta e nos amedronta. Não serviu de nada, no caso específico do combate à bandidagem, a experiência de nossos militares na Missão das Nações Unidas para a estabilização do Haiti (Minustah). Houve um momento em que se vendeu a ideia de que a experiência seria importante para a atuação nos morros cariocas, mas não foi o que se viu. E o abuso de usar os militares nas GLOs ( Garantia da Lei e da Ordem) tornou-se nefasto para os militares.
A criação de um Ministério da Segurança Pública, concretizada no governo Temer e revertida no de Bolsonaro, volta à discussão. É o que sempre acontece quando fica evidente que o crime organizado está ampliando suas ações, nacionalizando e até internacionalizando sua presença na distribuição de drogas.
Mas há uma cautela historicamente apartidária para tratar a questão, para que ela não contamine o presidente da República. Em 1997, o então presidente Fernando Henrique Cardoso criou a Secretaria Nacional de Segurança Pública, mas ligada ao Ministério da Justiça. No primeiro governo petista, houve a sugestão de que esse secretário ficasse subordinado diretamente ao Palácio do Planalto, e foi escolhido o antropólogo Luiz Eduardo Soares.