A proposta eleitoral de Marina inquietou pela sua ambigüidade. Evidenciou o inconformismo com o que está aí, sem se dar conta dos reptos de um genuíno governo de mudança como o de Lula. E, mais ainda, levou à pregação ecológica, a substituir-se à prioridade da luta contra a injustiça social no País.
O que mais repercute, entretanto, é o quanto a aceitação de seu apelo por uma nova geração põe em causa, ainda, uma sub-cultura da impaciência, frente ao realismo da mudança vivido pela nação saída da marginalidade. De toda forma, a onda Marina refugava, de saída, o voto em Serra, como ameaça de retorno ao País de sempre. E a votação na candidata verde foi tanto menos expressiva quanto foi menor pelos despossuídos em todo o País.
A candidata conclamou no primeiro turno por um projeto, mas este nada elucida quanto às exigências de um desenvolvimento sustentado. E vai a três mistificações, diante do perigo da boa vontade ingênua, no reconhecer as prioridades do País de agora. Repete o pecado ancestral do "udeno-moralismo", ao clamar, de saída, por uma hipotética reforma política, que em nada modificará o que está aí, enquanto não se alterar o peso dos donos do poder; e tàl só se dará, de fato, pela mudança estrutural da economia brasileira.Esta, por sua vez, é inseparável do intervencionismo público e da aceleração da distribuição de renda, temas mudos na pregação da acreana.
Marina é impermeável, por outro lado, aos problemas da federação brasileira, e do imperativo de passar-se à União o desenvolvimento social, espremido pelas limitações constitucionais, no que poderia ser o PAC, na ampliação dos recursos para educação, saúde, ou habitação. A verde isolou a ecologia, num confronto com o desenvolvimento, sem propostas concretas quanto ao controle da agroexportação, ao impacto ambiental profundo do investimento hidroelétrico ou aos reflexos da nova agricultura familiar, na imigração interna do país e na mudança de pressões sobre as nossas megalópoles.
O contágio da pregação de Marina reforça-se, de muito, pelo missionarismo evangélico que a leva os seus seguidores, ao contrário da consciência emergente do "povo de Lula", que foi à percepção autêntica de para onde vai a mudança por quem concretamente a experimentou e é copartícipe da sua ida adiante. Não é uma fatalidade carismática que criou o eleitorado de Dilma, mas esse fenômeno inédito e crescente do antigo país marginal que sabe, sobretudo, para onde não quer ir, no que representou como opção de mudança o governo Lula.
Claro, com as decepções do PT, tentado como todo recém-chegado ao poder pelos privilégios da clientela política, perplexo nos aprendizados da realpolitik, foi o regime ao compromisso de coalizões, a manter o sentido final do caminho, à custa das transigências no seu avanço.
De toda forma, não há como assimilar o que é o avanço dessa prática da mobilização, nascida historicamente da irrupção do PT, com qualquer parecença ao arremedo, agora, de Marina e o decálogo de Polyana a que chama de projeto político e social. Forçada a um dilema, a candidata não fugirá à lucidez, na impossibilidade de esfarinhar num segundo turno o seu capital eleitoral.
E não é outra a lógica que deve levá-la à abstenção, para manter como bom fantasma o seu cacife político. Há um conflito de natureza dessa escolha com o serrismo, e foi às custas de Dilma que cresceu a força da candidata verde. Quando a mudança acontece, as elites, em vão, podem de novo apropriar-se de seu comando. Quem, de fato, experimenta o novo País pode permitir-se a decepção, mas não renegá-la. Vota-se em Serra contra o Brasil de Lula, mas entre messiânica, idealista e inconformada, esta não foi, de toda forma, a escolha constrangida dos eleitores de última hora de Marina.
Jornal do Commercio (RJ), 29/10/2010