Enquanto a mídia se esbofa na avacalhação do novo avião da Presidência da República, deixa de criticar, asperamente como devia ser o caso, os dois programas sociais que Lula, antes do avião, botou no ar para mascarar a política econômica: a médio e longo prazo, tornará mais dramático o desnível social que já se tornou um dos mais injustos do mundo.
Semana passada, aceitando em parte as críticas e fracassos do Bolsa-Família, o governo aparentemente se mancou e tomou medidas de fiscalização das verbas que estão sendo desviadas, como se esperava e era de praxe. Resumindo: o governo considera que o plano não está dando certo por erros operacionais, tal como acontece com a outra ponta da dobradinha demagógica, o Fome Zero.
A questão dos dois biombos criados por Lula não é operacional, não se resume a serem bem ou mal aplicados. Trata-se de duas medidas que seriam adequadas à iniciativa particular, a instituições piedosas que receberiam, isso sim, a colaboração do governo, tal como vem acontecendo, em dimensão circunstancial, com as vítimas do tsunami na Ásia.
O problema da fome no Brasil é estrutural, somente o governo tem condições para alterar os critérios do orçamento e das prioridades. E aí sim, estaria cumprindo o seu dever, mexendo para valer na questão agrária, na espiral dos juros que asfixiam o mercado como um todo. Palocci chega a dizer que aumentar juros é melhor do que a inflação. É o mesmo que afirmar: o diabo é pior do que o demônio.
Os juros que asfixiam empresas e investimentos são repassados para os produtos consumidos por ricos e pobres, sendo que os pobres ficam mais pobres. Atingem também, e dramaticamente, a espinha dorsal do mercado de trabalho, sustentando e aumentando a debilidade dos empregos para aqueles que estão empregados. E tornando inútil o combate ao desemprego que gera a fome e outros males, inclusive a violência.
Folha de São Paulo (São Paulo) 24/01/2005