A Turquia, como bem definiu o papa Bento XVI, é considerada a ponte entre o Ocidente e o Oriente. Com um pé na Europa e outro na Ásia, o país possui representativas comunidades muçulmana e cristã ortodoxa. Nesse cenário, em tempos de acirramento do choque de religiões, a visita do líder da Igreja Católica a Ancara, Éfeso e Istambul ganha importância. O pontífice alemão não é versado na diplomacia com João Paulo II, que desde os tempos de comunismo em sua Polônia natal aprendeu a lidar com desafetos e ideologias distintas. Portanto, tem um desafio muito maior.
O simbolismo turco para a fé ortodoxa, católica e islâmica é reconhecido há bastante tempo pelo Vaticano. Tanto que João Paulo II também esteve no país em 1979, logo depois de ser escolhido papa. Passou por Éfeso, suposto local onde a Virgem Maria viveu seus últimos dias na Terra - Bento XVI repetirá o feito. Num gesto de aproximação e impulso ecumênico, a autoridade máxima da Igreja Católica entra numa mesquita em Istambul, copiando a atitude inédita de seu antecessor. Será o início de uma nova e tensa etapa para o pontífice tentar explicar melhor seu pensamento sobre o extremismo islâmico sem entrar em conflito com os moderados.
Durante o pontificado de João Paulo II, a relação entre as duas religiões era mais estável. Bento XVI, no entanto, levará tempo para se desfazer do estereótipo de papa que acusou o islã de ser irracional e de pretender espalhar a fé pela espada - mesmo depois de ressaltar que esse não é seu pensamento, e sim de Manuel Paleólogo II, imperador bizantino do século XIV. Analistas acreditam que o líder da Igreja precisará se empenhar mais para entender o Islã, cercando-se de especialistas no assunto. Para alguém que passou mais de 20 anos como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, cuidando de temas essencialmente católicos, a tarefa exigirá disciplina.
Líderes muçulmanos e católicos devem se ater à agenda positiva e de aproximação entre as duas instituições milenares, abordando, sem qualquer tom de disputa, problemas como o extremismo e a discriminação de fiéis. Os desentendimentos já são provocados, em dose mais que suficientes, por entidades políticas e governos interessados em misturar fé e poder.
Jornal do Commercio (RJ) 1º/12/2006