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O clima da era

 

O presidente Bolsonaro cometeu um ato falho quando disse que votaria “até em Lula”, mas nunca em Doria, revelando assim qual é o candidato que realmente o incomoda. O governador de São Paulo, ao lado do ex-ministro Sérgio Moro, são possibilidades de candidaturas que levarão perigo à reeleição de Bolsonaro, especialmente se estiverem juntos em uma chapa.

Mesmo que tenha sido ferido politicamente na batalha que trava contra o establishment político, e preferido se proteger na iniciativa privada, dando a seus adversários mais um pretexto para criticá-lo, o ex-juiz Sergio Moro ainda carrega consigo a imagem de combatente contra a corrupção, tema atualíssimo enquanto o governo, juizes e políticos tentam acabar com o que resta da Operação Lava-Jato.  
A desmoralização de Moro interessa tanto a Bolsonaro quanto ao PT, o que o torna o centro das ações políticas. Uma das máximas da política é que quem está no centro dos debates é a principal figura. Já foi assim com o ex-presidente Lula, e agora é também com o presidente Bolsonaro que, não por acaso, aparece em primeiro lugar nas pesquisas prospectivas de opinião, sempre em empate técnico com Moro.

Está previsto para o início do ano que se inicia o julgamento na 2ª turma do Supremo Tribunal Federal da parcialidade de Moro no caso do triplex do Guarujá, que tornou Lula inelegível pela Lei da Ficha Limpa depois de condenado em segunda instância. Pela decisão já tomada na mesma turma, que votou pela parcialidade de Moro no julgamento do doleiro Paulo Roberto Krüger no caso Banestado, é presumível que o ex-presidente Lula seja beneficiado pelo mesmo entendimento.

No caso Banestado, o ministro Celso de Mello estava ausente, e o empate favorece o réu. Agora, os ministros Carmem Lucia e Edson Fachin já votaram a favor de Moro, mas um quinto voto será dado pelo novo ministro Nunes Marques, nomeado por Bolsonaro, e que até agora não lhe tem faltado. É praticamente certo que votará, como tem feito, com os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, anulando todo o processo do triplex do Guarujá.

Lula terá uma recuperação política diante desse resultado, que levará o processo de volta à primeira instância, mas continuará inelegível, pois também está condenado em segunda instância no caso do sitio de Atibaia. Para que possa concorrer em 2022, será preciso que também esse processo seja anulado, o que é mais difícil de acontecer.

Dificilmente os ministros da 2ª Turma estenderão a anulação ao caso de Atibaia, embora em tese possam fazê-lo. Seria, porém, um flagrante exagero jurídico, pois a condenação no caso de Atibaia foi feita pela juíza Gabriela Hardt, não por Moro, que só tratou do processo em seu início. O caso deve ser levado ao plenário do Supremo pelo relator da Lava Jato, ministro Edson Fachin, com base na decisão do presidente Luis Fux de voltar a discutir presencialmente, fora das Turmas, as ações penais e os inquéritos.

Com isso, os casos da Operação Lava-Jato serão julgados pelo plenário do Supremo. O ex-presidente Lula tem sido sistematicamente inocentado em casos desmembrados por investigações da Operação Lava-Jato em varas federais de Brasília, São Paulo e Santos, o que dá ao PT a oportunidade de dizer que apenas em Curitiba o ex-presidente foi condenado. O ambiente na 2 Turma é francamente favorável a ele, tanto que o ministro Ricardo Lewandowski determinou que a 10 Vara Federal Criminal do Distrito Federal dê acesso à sua defesa às mensagens trocadas entre os procuradores de Curitiba reveladas pelo site The Intercept com base na invasão de celulares por hackers já presos. As provas são tecnicamente ilegais, pois obtidas através de atos criminosos, mas podem ser consideradas válidas se beneficiarem o réu.

Essa será a primeira batalha jurídica do caso do sitio de Atibaia, quando a defesa do ex-presidente tentará demonstrar, inclusive com base nessas provas ilegais, que ele foi perseguido pelo juiz Sérgio Moro. Paul A Freund, famoso jurista e professor de Harvard dizia que “O Tribunal não é afetado pelo tempo do dia, mas pelo clima da era”. O combate à corrupção ainda será predominante neste momento político no Brasil?

O Globo, 01/01/2021