Primeira impressão: a de entrar num galinheiro de luxo, ou melhor, num perueiro. As mesas estavam ocupadas por assanhada fauna de peruas, senhoras entre 45 e 65 anos, maquiadas para a ocasião, vestidas e calçadas para a ocasião. Ao contrário do ladrão, que é feito pela ocasião, a perua é que faz a ocasião.
Um festim. Todas grasnavam - se é que perua grasna. Parece que os patos é que grasnam, assim como o cachorro late, o gato mia e há um bicho que chilreia - o Pasquale Cipro Neto deve saber, eu não.
Sem interromper o grasnado ou o que seja, elas se entupiam de docinhos e de salgadinhos, com uma voracidade de náufrago após seis meses numa ilha deserta. Eram peruas legitimas, peruas cinco estrelas. Contudo não é a esganação que define e destaca a perua em cabeça, corpo e membros. O que as distingue do resto dos mortais é a maneira de vestir, de calçar, de usar adereços e penteados. Sem esquecer o cheiro. Toda perua, em seu esplendor de perua, usa perfume da moda. Um perfume letal, que cheira a léguas e fica no ar quando ela vai embora, como os canhões que depois de atirar deixam o cheiro de pólvora.
É assombroso como elas conseguem a unidade na variedade - desafio que filósofos e artistas enfrentam há séculos. Praticamente não há duas peruas iguais, mas todas são iguais entre si. É o tafetá, a seda, o corte dos vestidos, o tipo de sapato, as meias, os broches, os brincos, anéis, colares - e as bolsas.
Ah, as bolsas! São a peça de resistência de uma perua em ação. Mais do que o perfume, o penteado, o vestido e o sapato, a bolsa a anuncia à distância. E uma boa perua tem consciência disso, pois coloca a bolsa em evidência, como uma ativista da ecologia que empunha um cartaz pedindo que se salvem as baleias. Por sinal, algumas peruas têm alguma coisa das baleias, tanto pelo tamanho como pelo design.
Pergunta: o que fui fazer no meio de tantas peruas? Tomar chá com uma delas.
Folha de São Paulo (São Paulo) 11/11/2004