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O canal impróprio

 

Na quinta passada (17), na Universidade Federal do Maranhão, a historiadora e cantora trans Tertuliana Lustosa fez uma palestra no seminário "Dissidências de Gênero e Sexualidade". Em certo momento, talvez para enfatizar um argumento, cantou um funk de sua autoria intitulado "Educando com o Cu". O vídeo em que aparece dançando o funk mostra-a exibindo os glúteos. As redes sociais tremeram com protestos de deputados bolsonaristas, não se sabe se excitados pelo que viram ou se revoltados com a proposta, que consideraram imprópria.

É claro que é imprópria. O canal escolhido por Tertuliana Lustosa não é o mais adequado para a prática da educação. É limitado didaticamente e de duvidoso valor pedagógico. Faz parte do exibicionismo compulsivo facilitado pelas redes, praticado por pessoas cujo currículo se resume aos orifícios, opções e posições de sua preferência. É também uma exacerbação da liberação dos costumes pela qual lutamos vitoriosamente no século passado. Hoje não há mais o que liberar, e os únicos que ainda se ofendem são os que têm a ganhar por se ofenderem.

Os deputados que estrilaram contra a cantora e estão exigindo satisfações do ministro da Educação, Camilo Santana —como se as universidades federais não fossem autônomas e infensas a intervenções—, devem ser os mesmos que nunca se ofenderam com o comportamento de Milton Ribeiro, ministro da Educação de Bolsonaro. Ribeiro ficou conhecido por receber regularmente em seu gabinete os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, acusados de facilitar a liberação de verbas do MEC para prefeitos das províncias em troca de propinas e da compra de Bíblias personalizadas com a foto do ministro na folha de rosto.

Estes, sim, praticaram a educação —perdão, ouvintes— com o cu.

Folha de São Paulo, 24/10/2024